quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
NATAL...
NATAL...
É fogo e água em abundância,
E terra e ar que envolve a dor,
Natal é acaso e circunstância,
Natal é tudo isto...e o calor.
A vaga se fez pranto,
E o silêncio musa,
E o amor canto,
Conquanto se desusa.
arlindo mota
foto: apm
Para as companheiras e companheiros que acompanharam este blogue um FELIZ NATAL
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
OS LOUCOS DA MINHA RUA
O ar que se respira, carbono negro, denso,
quase impuro, nada tem a ver com a cor,
nem com as guelras (do odor não me lembro),
vem da memória, dizes, talvez do coração,
pois nem o pulmão que o inspira, sente.
Assim se vão passando os dias, indolentes,
aqui no asilo, onde às árvores chamam gente,
e elas murmuram entre dentes, qualquer coisa,
que bem podia tratar-se de sementes.
Mas não, é coisa de doentes…
arlindo mota
domingo, 20 de novembro de 2011
ATÉ QUANDO?
Os filhos da urbe, apartam-nos; os lares que constroem para eles são verdadeiras estalagens para a derradeira vagem, sem açúcar, sem afecto; a sua reforma é inferior, na maior parte dos casos, ao valor das roupas de marca que os seus netos usam; o preço dos medicamentos que lhes prolongam a vida está pela hora da morte…
Resta-lhes, como na alegoria de Elio Vitorini, seguir o trilho dos elefantes, que se apartam da manada, quando sentem que a sua utilidade chegou ao fim, dirigindo-se para norte, gigantesco cemitério de elefantes: “Consideram-se mortos e morrem”, desistem de viver. Para quando a devolução da dignidade perdida dos mais velhos; até quando estes atravessarão o presente, desculpando-se de não ter ido mais longe”, nas palavras de Brel, e se sujeitam à tirania dos que esperam o seu sono tranquilo e infinito?
arlindo mota
foto: apm
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
MEDE A AMPULHETA O QUE SE SENTE?
terça-feira, 1 de novembro de 2011
MAR ADENTRO
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
RUI SERODIO: ARTE E VIDA
A semente intensa e delicada
A colheita farta enquanto houve
A notícia indelével que perdura
Teve o impacto duro de uma bala
arlindo mota
(Ouvir o maestro Rui Serodio é a melhor forma de continuar a ter o privilégio de continuar a usufruir da sua companhia através da arte, que essa é eterna. O nosso disco, querido amigo, teve um contratempo mas verá a luz dia: poesia e música sempre se banharam nas águas do mesmo rio. Aqui deixo um link para um dos seus últimos projectos http://www.newagepiano.com/profile/TheFadoandthePiano)
domingo, 16 de outubro de 2011
ESCRITOR DO MÊS: LUIZ PACHECO
Encontrámo-nos meia dúzia de vezes, separados pelo tempo e pela geografia: primeiro na "Estampa", quando integrava a equipa dos amigos Manso Pinheiro que haviam adquirido a editora e Luiz Pacheco era um dos seus autores. Mais tarde em Setúbal,já o tempo havia cavado fundo na energia e capacidade criativa de LP, mesmo assim sempre de língua afiada para os que arvoravam a hipocrisia como sua matriz. Depois fui acompanhando as entrevistas que foram sendo publicadas e que eram a sua "prova de vida". Viveu o tempo suficiente para saber que o seu talento fora reconhecido. Com ele morreu muito do pouco que resta de uma certa maneira de fazer literatura, de que terá sido o seu principal representante , em que a vida se confundia com a própria arte da escrita. Até sempre. apm"
Ora deixem-me que lhes diga: um cadáver não nunca tem terá razão, mesmo que a tivesse tido antes. Um estúpido um cobardola é para rir e chorar, porque a estupidez e o medo não têm medida. Um patareco dá-se-lhe um pontapé no cu, um parasita esborracha-se por nojo e a um folião fazemos notar que não lhe achamos graça nenhuma. E fugi dos frustrados e falhados que é a malta mais tratante e castradora que existe. Mas um bebé! uma rapariga com um filho ao colo! os bambinos em volta! são os bichos mais exigentes e precisados de tudo. E há que lhes dar tudo. Eis, senhores, porque saúdo a manhã e faço gosto em a ver inda uma vez, eis porque a pardalada me incita. (...) Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis, se as praticardes." Luiz Pacheco in A COMUNIDADE
domingo, 9 de outubro de 2011
OUTONO
domingo, 18 de setembro de 2011
PELA NORMA CONSENTIDO
Não é a simples presença
A razão que aqui me traz
Sem receber qualquer tença,
Mas esperança de encontrar
Lugar onde pontifique
Um poeta, mesmo alvar,
Em vez de Pina Manique.
Não que me sinta atraído
Pelos salões decadentes,
Por onde coço o umbigo,
Entre senhoras contentes,
E outros irreverentes
Pela norma consentido.
arlindo mota
(Poema inédito criado para participar numa interessante iniciativa comemorativa do Dia de Bocage, na cidade de Setúbal, sujeito ao mote "Pela Norma Consentido", em 1986).
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
DÁDIVA DIVINA
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
PARÁBOLA
Angustiado e humilde, procurou um proclamado sábio cuja fama irradiava por todas as terras e lugares.
Ao chegar junto dele indagou sobre o que lhe poderia ensinar sobre a vida. “Nada” respondeu o sábio”. Nada? “Nada, meu amigo” enquanto esboçava um sorriso inequivocamente bondoso.
O peregrino não satisfeito com a resposta voltou à carga: “Mas tens fama de ajudar os que te procuram e de sempre lhe valeres”.
“Não fui eu que a criei”, ripostou. “Mas diz-me: verdadeiramente ao que vens?”
“Busco encontrar um sentido para a minha vida, e não vislumbro, e mais de meia vida é já tornada”
“Se procuras tão persistentemente algo de tão raro e difícil então não precisas decididamente de conselhos. Apenas tens de seguir o teu caminho, que já o encontraste”.
arlindo mota
foto: apm
sábado, 27 de agosto de 2011
ROSTO
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
POETA DO MÊS: JOSÉ GOMES FERREIRA
VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA
Viver sempre também cansa.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
Folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
Poema escolhido para ser dito pelo Grupo Cultural com base na Pró-Asociação dos Liceus dos anos 60 (Teresa Taborda, José Vasconcelos; Vitor Oliveira Jorge; Tito Cardoso e Cunha; José Arnaud; Teresa Bento; Arlindo Pato; Teresa Oliveira, entre outros) e que Eugénio de Andrade na sua Antologia considerou um dos mais belos poemas do século XX. Nascido em 1900, morreu em 1985 em Lisboa. O seu espólio encontra-se na Biblioteca Nacional.
Foto: Arquivo do Diário de Noticias
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
OBRA DIVINA
sexta-feira, 22 de julho de 2011
O SEGREDO DAS PALAVRAS
O sonho, Cibele, é uma taça, uma flor ignota, um desejo imenso que persiste,
mesmo se a dor ao colhê-lo o ignore. Cativo, neste lugar, perco a exacta noção do ser e do não ser,
do tudo ou do nada,
(se é que o todo pode estar circunscrito à palavra…)
Procurarás as estrelas, que iluminarão o caminho. Se solitário, a luz é mais intensa.
Despojada de tudo, encontrarás o segredo das palavras: ternura, amor, ou apenas sede
e um sereno gesto a partilhar
na colheita de uma rosa brava.
Arlindo Mota Foto: apm
quinta-feira, 14 de julho de 2011
DAQUELE PRIMEIRO DIA…
Disseste que os teus olhos já não conseguiam debruar a luz como faziam antigamente; que agora tacteiam a memória e as mãos ainda não perderam o seu sentido táctil, mas enganam-se frequentemente na paisagem.
Não esqueceste a volúpia, a fragrância do desejo, entre fráguas e a verdura das encostas, por entre a limpidez do murmúrio das águas. Por isso manténs as portas entreabertas e subsiste no teu colo uma infância por crescer. Abrigar-me-ás decerto em noites de lua cheia. Habituado ao ritmo dos sapais esperarei a próxima maré para te acolher, tufos de verde acariciarão os teus cabelos em reflexos desfocados pelo movimento lânguido das águas do estuário.
Noutro tempo, a tua voz tinha sempre um timbre inconfundível, prenhe de iodo e limos. Eu aguardava apenas a ténue luz dos vaga-lumes para assistir ansioso à tua chegada, roupas coladas ao corpo naquele teu jeito insinuante de faz-de-conta. Fora, assim, a nossa iniciação…ainda hoje, sinto o movimento das tranças presas no exacto momento em que um inesperado eclipse do luar deixara a tua pele, deliciosamente branca, nas minhas mãos acabadas de acordar. Surripiei-te então, Cibele, tudo o que tinhas e comigo guardei – precioso bem! – uma vermelha flor liquefeita daquele primeiro dia em que fiz amor contigo…
Arlindo Mota
Foto: apm
quarta-feira, 13 de julho de 2011
POETA DO MÊS: ANTÓNIO OSÓRIO
Retrato do Autor
Aguarela de Mário Botas
26/12/1982
Quando sinto de noite
o teu calor dormente
e devagar
para que não despertes
digo: cedro azul,
terra vegetal,
ou só
amor, amor;
quando te acaricio
e devagar
para que não despertes
tomo na mão direita
as duas fontes, iguais, da vida,
procuro a nescente
e adormeço
nela essa mão depositando.
António Osório
(Nascido em Setúbal em 1933, António Osório é um dos mais notáveis poetas portugueses vivos. Advogado foi um prestigiado bastonário. Poeta tem uma obra cada vez mais reconhecida pela crítica, apesar do perfil discreto de que faz gala. Com a devida vénia seleccionámos um poema que aqui reproduzimos do seu livro O LUGAR DO AMOR, editado pelo Círculo de Poesia, da Moraes Editores, em 1985.)
quinta-feira, 7 de julho de 2011
FUGAZ
FUGAZ
Exíguo, lhe disse alguém, reflectindo sobre o tempo
e algum desdém…
Mas lá foi crescendo, crescendo, consoante a terra, o húmus e as circunstâncias,
aquele tronco, agora forte, robusto como a mãe…
“Sou como o espaço, o horizonte, o mundo…” rejubilou.
E foi rodando, rodando, rodando sempre, na esperança que antevia, até que,
subitamente, se deteve junto a um amontoado de ramos frágeis, inertes, prostrados.
Aí, caindo de vez em si, decepcionado, humildemente balbuciou:
“Afinal...não passo de um segundo”
arlindo mota
quarta-feira, 6 de julho de 2011
LUZ QUE ALUMIA
sábado, 2 de julho de 2011
PAULO ASSIM: Retrato a Sépia
O meu avô tinha a tez dos mouros e o ar sereno
de quem descasca laranjas pela madrugada.
Falava-me do mar como quem olha
para os sulcos sibilinos das mãos.
Os peixes bebem toda a água do mar e não sabem.
Se soubessem, dizia o meu avô, quereriam ser homens.
Mas os homens têm já todo o mar nos olhos, sobretudo quando choram,
e se os peixes soubessem disso talvez preferissem ser pássaros,
que é o que os homens desejam ser quando desafiam o mar.
(...)
Na sala do meu avô havia um búzio
que me cabia na concha das duas mãos.
Se o aproximasse do ouvido,
aproximava o mar inteiro.
Paulo Assim
(in Retrato a Sépia, livro do autor recentemente distiguido com o prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, de cujo júri fiz parte, com João Reis Ribeiro e José António Chocolate Contradanças. Poesia enxuta e depurada, não escondendo as leituras de alguns dos melhores poetas contemporâneos, é uma revelação para todos aqueles que gostam que as palavras sejam bem tratadas, sem precisarem de se torturar na praça pública ou de caminhar por caminhos exotéricos)
Foto: JRR (O poeta com D. Joana, viúva de Sebastião da Gama, em casa desta)
sábado, 25 de junho de 2011
FORA O SILÊNCIO
domingo, 20 de março de 2011
INVEROSÍMEL, DIRÃO…
Quase que se esqueceram-se de mim, já estou habituado. Tu foste a notícia e eu sei que não querias. Eles martelaram insistentemente dizendo que morreste só, sem ninguém, vertendo palavras sobre palavras por sobre uma situação que jamais entenderão. Preocuparam-se pela delonga – e chamaram-lhe incúria – por demorarem tanto tempo a encontrar-nos. Bom, verdadeiramente, a encontrar-te, pois a mim quase se não referiram, e sem grande alarido, nem surpresa.
Eles querem lá saber dos anos que vivemos juntos, dos carinhos que trocámos, da atenção que prodigalizávamos constantemente nos mais pequenos gestos. Nunca tive grandes sonhos, nem tu podias tê-los. Tínhamo-nos um ao outro; passeávamos nas ruas naquelas horas em que ainda estavam acordadas. Até ao dia em que com mais vivacidade do que era habitual, me chamaste para o sofá e me afagaste ternamente a cabeça, e perguntaste se me recordava de quando e em que circunstâncias nos havíamos conhecido…e sem me dares ocasião de responder, prosseguiste ininterruptamente, como se quisesses fazer um ajuste de contas contigo própria, mas sempre naquele tom meigo que sempre usavas comigo.
Depois calaste-te, eu pensei que era o cochilar do costume de um corpo fatigado em frente da televisão…afaguei-te à minha maneira, de mansinho, demoradamente. Tu mantinhas-te no teu sono tranquilo. Sim... depois percebi que desta vez era diferente, o teu ronronar diminuíra até cessar, por completo. A quentura do teu corpo já não era a mesma. Eu sabia o que estava a acontecer, nada que não estivéssemos os dois à espera, algum dia haveria de ser. Apesar de saber inevitável, por momentos não soube o que fazer, senão lamber-te quase em desespero, pois, na verdade, nunca estamos inteiramente preparados. Depois, mais calmo, despedi-me com um latido quase inaudível para não perturbar os vizinhos, enrosquei-me bem juntinho a ti, e chamei o sono que veio surpreender-me em pleno devaneio de quando foras buscar-me ao canil municipal livrando-me assim de uma despedida antecipada, injusta, sem ternura…Sim, tu, salvaras-me a vida!
(Assinatura ilegível)
(P.S. esta carta chegou-me recentemente quando os media difundiram à saciedade o achamento de uma velha senhora e do seu cão vários anos depois da seu desfecho, enfatizando a situação da solidão nas sociedades contemporâneas. Não cheguei a apurar se a epístola teria tido algo a ver com este acontecimento…)
@Texto e foto: arlindo mota
domingo, 27 de fevereiro de 2011
MONDANDO A LUZ
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
ZECA AFONSO: NUM DIA ASSIM...
Que fazer nos dias de Inverno, cogitava Alice, quando o frio nos tolhe a alma e não se vislumbra sinal de temperança.... A ternura dos quarenta leva-a à música e a música a um amigo do pai que jamais esquece: o Zeca Afonso.
Mas porque se lembrara ela, naquele momento, naquele preciso momento, daquela música, daquele autor, que afinal em pessoa mal conhecera, quando ainda andava de bibe e sacola? Também ela estivera no ginásio cheio, cheio a abarrotar da Escola Técnica (agora Sebastião da Gama) onde o corpo de Zeca Afonso repousava entre amigos que há muito sabiam – como ele sabia – que no dia em que a sua voz não se pudesse fazer ouvir, morreria.
A morte saiu à rua, num dia assim : 23 de Fevereiro de 1987. Afinal havia outras razões, para além da razão, para estar triste. Onde estão agora os bardos – reflecte - que cantem generosamente até que a voz lhes doa, a denúncia de um tempo triste, que o Zeca jamais imaginara que os homens do seu tempo pudessem esconder o sol por não saberem o que fazer com a luz.
Extraído do livro de Arlindo Mota “Alice no País do Faz-de-Conta”
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
ENTRE ESCOMBROS, TALVEZ…
procuro nos escombros que inventei
sem conhecer um rosto na voragem
das mágoas e silêncios que guardei
em teus olhos insensíveis à paisagem
um pouco mais além outras paragens
de apetecidos afagos de mãos puras
recriam-se seguros diques de ternura
porto de abrigo apetecido da viagem
tu subindo o mar numa piroga
eu sem saber porque naufrago
arlindo mota
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
POETA DO MÊS: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
ÍTACA
Quando as luzes da noite se reflectirem imóveis
(nas águas verdes de Brindisi
Deixarás o cais confuso onde se agitam palavras
(passos remos e guindastes
A alegria estará em ti acesa como um fruto
Irás à proa entre os negrumes da noite
Sem nenhum vento sem nenhuma brisa
(só um sussurrar de búzio no silêncio
Mas pelo súbito balanço pressentirás os cabos
Quando o barco rolar na escuridão fechada
Estarás perdida no interior da noite no respirar do mar
Porque esta é a vigília de um segundo nascimento
O sol rente ao mar te acordará no intenso azul
Subirás devagar como os ressuscitados
Terás recuperado o teu selo a tua sabedoria inicial
Emergirás confirmada e reunida
Espantada e jovem como as estátuas arcaicas
Como os gestos enrolados ainda nas dobras do teu manto
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Estive meia dúzia de vezes sentado à conversa com Sophia de Mello Breyner Andresen - obrigado Maria pela amizade que me permitiu conviver informalmente com sua mãe à mesa do café! – e dela colhi, para além da excepcional obra que já lera, a sua imensa paixão pela cultura greco-romana e uma sensibilidade rara que transparecia em cada palavra que dizia. Agora que Maria Anderson organiza um colóquio sobre a sua obra a propósito da doação do seu espólio à Biblioteca Nacional, dou o meu modesto contributo escolhendo-a como a poeta do mês do blogue)
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
ENCONTRO FUGAZ
ENCONTRO FUGAZ
a praça lá estava perdida mouraria de
improváveis gentes e locandas vazias
esforçaste o olhar para veres quem te
via da varanda vadia do hotel mundial
...................................................
lânguido rio correndo docemente pelo
seu corpo exangue que assim renascia
fugaz amor de instante ou por um dia
arlindo mota
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
CANÇÃO DOS VELHOS AMANTES
CANÇÃO DOS VELHOS AMANTES
... ao som de Brel
quando tinhas a idade que um dia
hei-de ter sorvias as manhãs
de inesperados aromas
( flores de romã…)
mas tudo tem o seu tempo
(mesmo se o tempo mudou)
como a ladeira de um monte
se desgasta a cada instante
nessa incessante escalada
em que a vida se nos escapa
sempre mais perto do cume
(ou o princípio do nada …)
agora o passado é passado de vez
-flores do deserto em pedra talhada
que o tempo desfez -
(mesmo a mais desejada…)
arlindo mota
foto: arlindo pato mota
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
ACTA FINAL
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
POETA DO MÊS: EUGÉNIO DE ANDRADE
GREEN GOD
Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava
(Eugénio de Andrade nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão. Dos maiores poetas portugueses de sempre deixou-nos uma obra extensa, original, onde sobressai uma sublime musicalidade.O poema Green God transcrito integra o seu primeiro livro "As Mãos e os Frutos" am)
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