quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
POETA DO MÊS: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
ÍTACA
Quando as luzes da noite se reflectirem imóveis
(nas águas verdes de Brindisi
Deixarás o cais confuso onde se agitam palavras
(passos remos e guindastes
A alegria estará em ti acesa como um fruto
Irás à proa entre os negrumes da noite
Sem nenhum vento sem nenhuma brisa
(só um sussurrar de búzio no silêncio
Mas pelo súbito balanço pressentirás os cabos
Quando o barco rolar na escuridão fechada
Estarás perdida no interior da noite no respirar do mar
Porque esta é a vigília de um segundo nascimento
O sol rente ao mar te acordará no intenso azul
Subirás devagar como os ressuscitados
Terás recuperado o teu selo a tua sabedoria inicial
Emergirás confirmada e reunida
Espantada e jovem como as estátuas arcaicas
Como os gestos enrolados ainda nas dobras do teu manto
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Estive meia dúzia de vezes sentado à conversa com Sophia de Mello Breyner Andresen - obrigado Maria pela amizade que me permitiu conviver informalmente com sua mãe à mesa do café! – e dela colhi, para além da excepcional obra que já lera, a sua imensa paixão pela cultura greco-romana e uma sensibilidade rara que transparecia em cada palavra que dizia. Agora que Maria Anderson organiza um colóquio sobre a sua obra a propósito da doação do seu espólio à Biblioteca Nacional, dou o meu modesto contributo escolhendo-a como a poeta do mês do blogue)
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
ENCONTRO FUGAZ
ENCONTRO FUGAZ
a praça lá estava perdida mouraria de
improváveis gentes e locandas vazias
esforçaste o olhar para veres quem te
via da varanda vadia do hotel mundial
...................................................
lânguido rio correndo docemente pelo
seu corpo exangue que assim renascia
fugaz amor de instante ou por um dia
arlindo mota
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
CANÇÃO DOS VELHOS AMANTES
CANÇÃO DOS VELHOS AMANTES
... ao som de Brel
quando tinhas a idade que um dia
hei-de ter sorvias as manhãs
de inesperados aromas
( flores de romã…)
mas tudo tem o seu tempo
(mesmo se o tempo mudou)
como a ladeira de um monte
se desgasta a cada instante
nessa incessante escalada
em que a vida se nos escapa
sempre mais perto do cume
(ou o princípio do nada …)
agora o passado é passado de vez
-flores do deserto em pedra talhada
que o tempo desfez -
(mesmo a mais desejada…)
arlindo mota
foto: arlindo pato mota
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
ACTA FINAL
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
POETA DO MÊS: EUGÉNIO DE ANDRADE
GREEN GOD
Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava
(Eugénio de Andrade nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão. Dos maiores poetas portugueses de sempre deixou-nos uma obra extensa, original, onde sobressai uma sublime musicalidade.O poema Green God transcrito integra o seu primeiro livro "As Mãos e os Frutos" am)
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