sábado, 27 de março de 2010

JOSÉ LUIS LOPES: OS AFECTOS



Os afectos são para mim sempre muito difíceis de escrever ou comentar, sendo assim, Caro Amigo, não sei se irei conseguir abranger com a minha escrita a totalidade dos meus afectos. Habituei-me a fragmentar este coração de afectos de forma a tentar ser o mais justo com os que me merecem afeição. Selecciono a família para os primeiros carinhos neste escrever, que, penso eu, deveriam nascer juntamente com o primeiro choro. Apesar de não escolhermos a família, ela é a raiz que me segura a esta terra, existe um nó que se aperta e com a idade, e mesmo quando me desilude, o aperto do laço não folga, aperta sempre mais.

De seguida, os afectos pelos amigos: aqui sofro sempre de morte. Aprendi a escolher os amigos pelo seu valor moral, quando eles me desiludem não perco um amigo, perco a minha escolha, perco a minha solidez psíquica, perco as raízes, eles são o fruto da minha árvore de rua, não os escolhi pelo sucesso, ou pelo os aparatos que possam usufruir, escolhi-os porque penso que são os melhores amigos do mundo, os mais nobres, os mais inteligentes, SÃO OS MEUS AMIGOS, apesar de ter percebido que a idade trouxe diferenças, tomei eu outro rumo, continuo a ler diariamente os seus sucessos, são meus também, são da minha colheita, tenho a certeza que compreende este prazer! Sempre que um amigo é especial eu também sou, e quando erra, encontro sempre uma desculpa, muitas vezes a culpa é até minha, deveria ter pensado mais rápido e avisado ainda mais depressa para que ele evitasse o erro.

Hoje, com o avançar da idade, encaro os afectos como um bem precioso, gostar é um bem necessário, devemos começar primeiro por gostar de nós (muito), depois Amigo, podemos conversar afectuosamente, assim como o vamos por aqui fazendo.
Fazer afectos com quem nos lê é gratificante, mas melhor é dizer-lhes que adoro que gostem do que por aqui vou gatafunhando.
Recebo de mãos abertas todos os afectos enviados por palavras, livres de compromissos, livres de se tornarem algemas, são os afectos de hoje.
Se um dia terminarem as palavras, ficarão os afectos para lembrar que valeu a pena passar por aqui.

O LUSO POEMAS, ao contrário do que muita gente diz é um mundo de bons afectos, mesmo que muitas vezes sejam superficiais, no entanto, no ar caminha esta alegria de fazer bem uns aos outros: ESCREVENDO…

É este mundo que procuro, o dos afectos simples, o do gostar de A ou B apenas porque o sinto mais perto de mim nas palavras, se um dia o real for diferente do virtual, não virá mal ao mundo. Daí, ficarão os afectos das palavras, ficará também o que de melhor há no mundo, as diferenças entre pessoas. Dos bons e maus escribas ficará para mim apenas as palavras que me ajudaram diariamente a escrever para os meus amigos mais afectuosos.

Caro Amigo isto que ia ser um comentário ao seu poema acaba por ser um texto, postado aqui no local onde todos os “Poetas” são iguais, não será por isso que deixará de ser endereçado ao seu Poema “Os Afectos”, apenas entendi que neste momento do Luso era mais importante escrever este meu sentir, não por si Caro Amigo, felizmente sinto que os afectos já tomaram conta das nossas palavras, mas por todos os meus amigos e amigas do Luso, que através dos seus escritos acabam por me incentivar a escrever sempre melhor, um qualquer punhado de palavras.

Se um dia não gostarem do que escrevo, perdoem-me, mas não me digam no escrito, creiam mesmo que irei ficar triste, mandem-me antes uma MP, a darem conta das vossas razões. Podem estar certos que ficarão mais afectuosos deste pobre sonhador.
Caro Arlindo, um abraço afectuoso de quem gosta de o saudar apenas porque gosta das suas palavras, hoje, neste dia especial esta saudação é extensiva a todos aqueles que ajudam o Luso poemas a ser todos os dias a nossa Casa das Letras.

José Luís Lopes

OS AFECTOS (Republicação)

Os afectos, disseste, são como as flores,

rosas, gladíolos ou simples urzes:

Brotam, desabrocham ou apenas definham,

como uma acidental conversa ao fim de tarde,

inspirando a brisa que sopra de mansinho.


Na monda dos afectos, é fugaz, Cibele,

a botânica gentil dos sentimentos.



arlindo pato mota

fotos: Pedro Soares

(José Luis Lopes é um poeta e um homem de reflexão, que procura ver nele e nos outros o que têm de melhor. As suas palavras que, a pretexto da publicação do meu poema "Afectos", ele comentou diz muito sobre quem diz e o que pensa dos outros e da sua visão da vida. A sua genuidade e grandeza de carácter aproximou-nos. As suas reflexões, que partem sempre pedagogicamente da sua experiência pessoal, constituem um guia certo "para a boa direcção do espírito". A sua presença no Seda das Palavras constitui, por tudo que foi dito, um acto de amizade e gratidão.)

quinta-feira, 25 de março de 2010

CANTO VIAJEIRO




VIAGEM: PREPARAÇÃO

Foi no tojo das palavras,

no rigor da intenção,

que rebentei as amarras,

penetrando no que são.


Cortei as asas do tempo,

perfumei o meu olhar,

e adormeci ao relento,

sem ter pressa de acordar.





NAVEGANDO

Como um vulgar marinheiro,

inventei-me num porão,

percorrendo o mundo inteiro.


Os portos foram surgindo,

mas nem por isso mais perto

me encontrei do destino,

como se fosse sumindo.


Percorri tudo, se é tudo

o que posso imaginar,

descobri novas paragens,

por cada nesga do mar,

viajei por latitudes,

ainda por localizar.





NO FIO DO HORIZONTE

Dobrei o cabo da esperança,

fundei o meu universo,

temi o vento e a bonança.


Não fui quixote, nem pança,

para tal, faltou-me o jeito.



Por fim, sentei-me num canto

- entre rio e outro rio,

entre mar e outro mar -

cansado de correr tanto,

indeciso no lugar,

aí fiquei até hoje.




FOTOS E POEMAS: arlindo pato mota

sábado, 20 de março de 2010

SOFIA (VISTA POR IBERNISE)

1.
À medida que o tempo humedecia,

crescia entre a areia do pecado,

cálida na substância e na idade.

Fez-se mulher: sumo de romã

em taça fria.


2.
Sacudiu graciosamente os ombros,

abotoou, lasciva, o último botão,

pegou na sacola, cingiu o corpete,

e partiu naquele dia, como nos demais,

mas jamais apareceria,

Sofia.


Foto e poema: arlindo pato mota


COMENTÁRIO DE IBERNISE*

Poema cadenciado num ritmo sugerido pelas rimas internas, produzindo um efeito sonoro especial, durante a declamação. Uma construção que envolve o simples numa complexidade que se expande exponencialmente.

São várias as vertentes para serem exploradas num poema riquíssimo como este, mas vou avaliar a questão da dádiva…

Sofia parece ser muito dadivosa… Mesmo se considerarmos as questões filosóficas.

Faço este destaque considerando que este excerto é cerne, que promove o entendimento das atitudes de Sofia, intencionais e manifestas:

'… cálida na substância e na idade.

Fez-se mulher: sumo de romã

em taça fria.'


A beleza lasciva chamando atenção ao último botão é de uma singeleza sem par. Uma imagem que fica… Uma mulher a abotoar o ultimo botão… Tem muito de tudo e de nada.

No entanto aqui realçando apenas a dádiva…
Os botões lembram um final, podendo lembrar uma desistência em pleno interlúdio amoroso.

O que se dá a alguém que muito quer mas às vezes não sabe receber. E assim, a graça da dádiva se torna a mácula da entrega… Mas isto n-ao nos deve impedir de sermos generosos… Como saber antes de entregar algo, se alguém vai ou não saber receber?

Sofia desaparece… Um desaparecimento que pode não ser… Sugere que poderia ser uma mudança de atitude, e como tal, crescimento implica num renascer onde o antigo ser 'deixa de ser'… Para aparecer renascido em novas atitudes, é …

Mesmo entendendo que mais vale acreditar na riqueza da dádiva do que se recusar a acreditar no amor de quem irá recebe-la… E isso todas as sofias, em algum momento da vida, precisam avaliar, nas suas escolhas.

Ainda que precisem se tornar uma nova pessoa, desaparecendo, enquanto renascem de cada experiência… Momento duro de incorporar, mas necessário para escrever uma nova história, começando pela sua própria…


(*IBERNISE, credenciada poeta brasileira, companheira do site Luso-Poemas, tem prodigalizado alguns poemas aí publicados, com comentários que são verdadeiras análises literárias, caso singular de atitude pedagógica e de amizade, que por raro e notável, não gostaria de deixar sem um registo aqui, no Seda das Palavras, com um profundo gesto de agradecimento e de carinho. arlindo pato mota

FOTOPOEMA: SONHADO LUGAR DE EXÍLIO



Peniche. Cabo Carvoeiro. 2007


Atónita, a gaivota suspende subitamente

o voo e plana, absorta, indiferente à

crescente velocidade do vento, à algazarra

das vagas, aos gritos das crias.(...)



©Foto e poema: arlindo pato mota

sexta-feira, 19 de março de 2010

JÚLIO SARAIVA: BALADA DA TERRA

"Mas nunca provei dos frutos das minhas mãos..."

De uma canção de Luís Gonzaga Jr. ou Gonzaguinha

"Malditas sejam
todas as cercas!
Malditas todas as
propriedades privadas
que nos privam
de viver e amar!"

Do poema Terra Nossa, Liberdade,
de Dom Pedro Casaldáliga,
bispo emérito de são félix do araguaia,
que trocou o palácio episcopal por uma choupana.
catalão, veio ao brasil, como missionário claretiano e foi sagrado bispo contra a sua vontade. enviou para a mãe o anel episcopal e o substituiu por uma aliança de casca de coco - símbolo da opção preferencial pelos pobres. foi várias vezes advertido pela santa sé, por seus escritos e posição política. foi várias vezes também ameaçado de expulsão do brasil na época da ditadura. vive entre posseiros e índios até hoje, numa região de conflitos.




























a terra irmão
pertence aos que nela trabalham
de sol a sol semeando o pão
que na mesa lhes falta muitas vezes
e é atirado ao lixo pelos burgueses
porco e gordo o burguês canalha
sempre dono e senhor de tudo

a terra por justiça deveria ser
de joão e de maria
de josé e de rosário
e de dolores
(tantas dores)
e dos filhos que fizeram
que andam descalços pelos campos sem escola
sem futuro sem nada
a terra não deveria ser
do mocinho bonito filho do senhor
o mocinho bonito que usa e abusa
da triste mocinha do campo
e depois a põe fora
como se fosse o final de um cigarro

a terra pertence ao lavrador
mas a ele só lhe vão dar os sete palmos medidos
como escreveu joão cabral
como escreveu dom pedro casaldáliga
como escreveu miguel torga
como escreveram outros tantos
mas nunca lhes deram ouvidos
senão a prisão
e o rótulo de agitadores
e subversivos

a terra é muita
e pertence ao povo que a fecunda
que faz crescer a semente
em troca de dinheiros minguados
a terra é de quem pega na enxada
e vive em habitações precárias
mas não é bem assim como deveria de ser
: a terra pertence ao coronel miserável
que se vale do dinheiro e do poder

enfim camarada
que somos nós senão nada?
nada nos vale escrever
a terra só enterra o pobre
ao pobre só resta morrer
e morrer...e morrer...

_____________
júlio, 15-03-10

Este poema foi-me dedicado pelo ilustre poeta brasileiro Júlio Saraiva, que facilmente percebeu que a Seda das Palavras também comporta a dimensão social de profunda solidariedade para com os mais desfavorecidos. O meu maior agradecimento e amizade.

Foto: de uma pintura elaborada por alunos que concorreram ao projecto internacional "Kids Guernica", organizado pela AMRS.

quarta-feira, 17 de março de 2010

RUPESTRE...




















Não vês, que já pouco é

aquilo em que me detenho?

Pouco lume, pouca lenha,

para atear os sentidos

debotados, deprimidos?


Por enquanto, apenas feridas,

Pelas silvas, na apanha…



arlindo pato mota

Foto: Pedro Soares do monumento "Mil Olhos", do escultor José Aurélio, que evoca o centenário do nascimento do poeta Pablo Neruda

BILHETE POSTAL: MOINHO DE MARÉ DAS MOURISCAS





















Moinho de Maré das Mouriscas, reconstruído pela Reserva Natural do Estuário do Sado

Foto: arlindo pato mota
Local: Setúbal

domingo, 14 de março de 2010

ANA COELHO: SIMPLESMENTE PALAVRAS

Presença sublime arte de saber com os

verdes anos em olhar filosófico revestidos de

convivência.

Metamorfose de natural simplicidade de ver e

ajudar a engrandecer, com danças de cores no céu pintado de aromas

e graça para além das palavras em ramos de estrelas douradas.

Nesse lugar que teço todos os sentidos que são o

albergue dos olhares que se tocam e cruzam nas marés agitadas

num pontão de quietude

que as domina.

Memórias sitiadas na morada de um inverno na busca

das fragrâncias de primavera que o coração confina.

Renascer de novo, a busca incontida no hexagonal

destino que nos abraça e dá a mão na solidão que voa no longínquo universo.

As pétalas da vida são os dedos do homem que as

acaricia e nos delícia na forma e conteúdo de toda a sua filosofia.

Oferto estas singelas palavras num dialogo de pai e

filho/a
a reflectir no respeito e admiração que teço por si.

Quando eu me for embora por certo guardarei todas

as palavras que sempre por si senti.


Para o poeta Arlindo Mota as suas próprias palavras num singelo acto de carinho.

FIXAVA OS OLHOS NUM SÓ PONTO

 
Posted by Picasa


Fixava os olhos num só ponto,

E esse ponto quase não se via,

Como que coberto por um manto

De espesso nevoeiro ou fantasia.


Nem a rudeza do vento,

Ou o saber da razão,

Lhe suspende o pensamento.

Pelo menos, por enquanto.



Arindo Pato Mota

sábado, 13 de março de 2010

MUSEU DO LOUVRE: TRADIÇÃO E MODERNIDADE




















"...fora em Paris, no Museu do Louvre, quando se encontravam naquela fila imensa que dá cor, movimento e justificação à Pirâmide" (In Alice no País do Faz-de-Conta, de Arlindo Mota)

sábado, 6 de março de 2010

SÃO GONÇALVES: POEMA PARA CIBELE

A seara está madura

os frutos prontos

a ser colhidos

nas mãos

da amizade

a ternura

dos amigos

que se deram.

I

Do olhar de uma

mulher

a luz que os homens

negaram

no corpo da musa

cibele

o renascimento

do amor almejado.

II

Mas é na hora

da partida

que o amor

mais se sente

da poesia

e do poeta

que marca

a alma

da gente.


São Gonçalves é uma talentosa poetisa, dotada de uma escrita límpida e despojada, a quem agradeço a amizade partilhada.

quinta-feira, 4 de março de 2010

"UNA FURTIVA LAGRIMA"



Peguei na roupa de Domingo,

afivelei no rosto uma rosa vermelha

e parti, como quem já viveu.

No caminho, aliviado das estrelas,

guardei uma lágrima de reserva,

sem saber se tu aparecerias pronta

para me receber.

Foi assim que tudo aconteceu

eu acordei tendo a meu lado

o travesseiro húmido e não tinha chovido

naquele dia.



Foto e Poema: arlindo pato mota

*dedicado e ao estilo de Vania Lopez,
poetisa e artista plástica que muito admiro