sábado, 30 de janeiro de 2010

AUTOR DO MÊS: LUIZ PACHECO

Encontrámo-nos meia dúzia de vezes, separados pelo tempo e pela geografia: primeiro em Lisboa, na "Estampa", quando integrava a equipa dos amigos Manso Pinheiro que haviam adquirido a editora e Luiz Pacheco era um dos seus autores. Mais tarde em Setúbal, nos idos de 90, já o tempo havia cavado fundo na energia e capacidade criativa de LP, mesmo assim sempre de língua afiada para os que arvoravam a hipocrisia como sua matriz. Depois fui acompanhando as entrevistas que foram sendo publicadas e que eram a sua "prova de vida". Viveu o tempo suficiente para saber que o seu talento fora reconhecido. Morreu há dois anos, a 6 de Janeiro: Com ele morreu muito do pouco que resta de uma certa maneira de fazer literatura, de que terá sido o seu principal representante , em que a vida se confundia com a própria arte da escrita.apm

"Ora deixem-me que lhes diga: um cadáver não nunca tem terá razão, mesmo que a tivesse tido antes. Um estúpido um cobardola é para rir e chorar, porque a estupidez e o medo não têm medida. Um patareco dá-se-lhe um pontapé no cu, um parasita esborracha-se por nojo e a um folião fazemos notar que não lhe achamos graça nenhuma. E fugi dos frustados e falhados que é a malta mais tratante e castradora que existe. Mas um bebé! uma rapariga com um filho ao colo! os bambinos em volta! são os bichos mais exigentes e precisados de tudo. E há que lhes dar tudo. Eis, senhores, porque saúdo a manhã e faço gosto em a ver inda uma vez, eis porque a pardalada me incita. (...) Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis, se as praticardes." Luiz Pacheco in A COMUNIDADE

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO: A OBRA DO POETA...



A OBRA DO POETA...

Na obra do poeta existe sempre

A sensação de estar incompleta,

Por mais que se esforce, faça ou tente,

A vida é limitada, curta e incerta...


Tocar os sentimentos, algo ingente,

Quão excessiva ambição é sua meta.

Escrever em rima, ou não, o quanto sente,

E se uma vez ao lê-lo em nós desperta


O sentir de um momento, plasmado

Em algo especial e..., tão diferente

Daquilo que é vulgar e consumado...


Algo inesquecível porque é arte.

Se tal for alcançado simplesmente...

Não lamente o poeta, quando parte...


António Boavida Pinheiro

O poeta António Boavida Pinheiro, que também usa o pseudónimo António dos Santos, a propósito da publicação do poema “Quando eu me for embora”, enviou a título de comentário poético, o seguinte poema que asedadaspalavras tem o maior prazer em aqui reproduzir, com os agradecimentos ao autor, cuja poesia e amizade muito aprecia.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

OLHARES



OLHARES


olhei para ti,

como um escultor

(que não precisa

de matéria).

basta-me a dor,

para dar corpo

às formas

na memória



(inspirado na tragédia do Haiti)


Foto e poema: arlindo mota

BILHETE POSTAL: BRUGES (FLANDRES)



Ler um livro magnífico de C. Clément, A SENHORA, sobre o êxodo compulsivo dos judeus de Portugal, reinava então D. Manuel I. A primeira cidade de acolhimento, Bruges, na Flandres. Bela e fria, anuncia o Norte da Europa...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

QUANDO EU ME FOR EMBORA




Quando eu me for embora, levarei comigo

a madrugada e de meu pai, suas mãos rudes,

com que moldava, a golpes incisivos, um tronco frágil

insubmisso, sempre em sentido vertical.

De minha mãe, não esqueço, a ternura que mandava, disfarçada,

por entre o pão suado e a manteiga. Assim cresci.


Quando eu me for embora, também não esquecerei os luares

que percorri, envolto em ti, sem precisar de leito. Assim cresci.


Mais tarde, pouco mais, hei-de lembrar-me daquilo que não fiz.

Mas quando eu me for embora, é porque morri, cá dentro,

por não saber cuidar de ti, amor-perfeito.




Poema: Arlindo Mota
Foto: Pedro Soares

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

POEMAS DITOS POR VÓNY FERREIRA



O SEGREDO DAS PALAVRAS

O sonho, Cibele, é uma taça, uma flor ignota, um desejo imenso

que persiste, mesmo se a dor ao colhê-lo o ignore. Cativo, neste lugar,

perco a exacta noção do ser e do não ser, do tudo ou do nada,

( se é que o todo pode estar circunscrito à palavra…)


Procurarás as estrelas, que iluminarão o caminho. Se solitário, a luz é mais intensa.


Despojada de tudo, encontrarás o segredo das palavras:

ternura, amor, ou apenas sede e um sereno gesto a partilhar

na colheita de uma rosa brava.




DESEJO

Apetitoso o fruto que desejo,

Inominado, fresco, sedutor:

Prouvera fosse o tempo das cerejas,

Soubera ser o tempo do calor.

Das giestas não falo porque sei

O perfume agreste que despertam.



Estes poemas foram ditos pela poetisa Vóny Ferreira (que também coordenou o trabalho multimédia), na sequência de um trabalho que tem vindo a desenvolver no site Luso-Poemas com diversos autores. A excelência do trabalho, o empenho na sua realização, são o testemunho vital da sua generosidade e partilha. Aqui fica (e bem!) na Seda das Palavras: penhor de amizade e gratidão. arlindo mota

Voz: Vóny Ferreira
Montagem: Ana Sofia Ferreira
Poemas: Arlindo Mota