sábado, 31 de março de 2012

PURO SILÊNCIO








O silêncio era a dois, quase perfeito,


o que se ouvia era quase nada,


um fio de água, de nascente,


e o sobressalto de um bater de asas.

arlindo mota

POETA DO MÊS: EUGÉNIO DE ANDRADE













AS PALAVRAS


São como um cristal,


as palavras.


Algumas, um punhal,


um incêndio.


Outras,


orvalho apenas.



Secretas vêm, cheias de memória.


inseguras navegam,


barcos ou beijos,


as águas estremecem.



Desamparadas, inocentes,


leves.


Tecidas são de luz


e são a noite.


E mesmo pálidas


verdes paraísos lembram ainda.



Quem as escuta? Quem


as recolhe, assim,


cruéis, desfeitas,


nas suas conchas puras.



Eugénio de Andrade

quarta-feira, 7 de março de 2012

FORMAS SENTIDAS





Acaricio os teus dedos longos suspensos

sobre mármore Carrara. A emoção do simples

contacto, o fascínio das cores refractados no

cristal líquido dos teus olhos húmidos,

perduram ainda, cobrindo de matizes

a face oculta das pétalas da vida.


Os palácios, Cibele, são uma invenção

dos bárbaros, pois neles as pessoas

estão irremediavelmente longe umas das

outras, os candelabros apenas tingindo

de opacidade e ilusão.


De futuro, sempre aparecerás vestida

de orquídea, os olhos marejados

de verde, o corpo entreaberto, a

tensão serena das mãos e do rosto.





arlindo mota