quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

NO VENTRE PLENO DE UMA VAGA

Livres, as mãos tonificadas pelo frio e o

orvalho, colhem o entusiasmo das pétalas em

flor, enquanto, por entre o casario

tingido cor de fogo, as cegonhas vão

erguendo, pacientemente, a sua

arquitectura volátil.


Não muito longe, onde o mar açoitara

violentamente a praia, conta-se que, no

ventre pleno de uma vaga, aparecera, esguia

e alada, uma sereia, cujo canto ecoa,

sibilino, às horas mansas do fim da tarde,

inundando de um perfume inebriante e

bravio, o verde dos arrozais.


É meridional, Cibele, a memória, a dolência

da cor, o odor a rosmaninho, a trignometria

imperiosa dos sentidos.



Foto e poema: apm

MÍTICO ABRIGO DE SEREIAS E DUENDES

Atónita, a gaivota suspende subitamente

o voo e plana, absorta, indiferente à

crecente velocidade do vento, à algazarra

das vagas, aos gritos das crias.


O seu olhar circunscreve-se a pequeno

ponto perdido na imensidão do oceano,

mítico abrigo de sereias e duendes,

sonhado lugar de exílio.


A gaivota descobrira, por fim, reflectido

no ventre das ondas, sob a forma de

uma vieira incólume ao ritmo das marés,

o inesperado do desejo e da afeição.



Foto e poema: apm

CIBELE E O RIO

Se foi possível navegar pelas estrelas,

que impede ou mitiga a imaginação?


Antevejo-te rio, afagada por represas.

Imagino-te foz, sobressalto de sentidos,

separando as águas, resistindo aos ventos,

contrários, destemidos.


E, assim, Cibele, pelos teus dedos ágeis, a vida

vai correndo, tumultuosa ou frágil, como és.




Poema e foto:apm

O SEGREDO DAS PALAVRAS

0 sonho, Cibele, é uma taça, uma flor ignota, um desejo imenso

que persiste, mesmo se a dor ao colhê-lo o ignore. Cativo, neste lugar,

perco a exacta noção do ser e do não ser, do tudo ou do nada,

( se é que o todo pode estar circunscrito à palavra…)


Procurarás as estrelas, que iluminarão o caminho. Se solitário, a luz é mais intensa.


Despojada de tudo, encontrarás o segredo das palavras:

ternura, amor, ou apenas sede e um sereno gesto a partilhar

na colheita de uma rosa brava.


Poema e foto: apm

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

OS AFECTOS

Os afectos, disseste, são como as flores,

rosas, gladíolos ou simples urzes:

Brotam, desabrocham ou apenas definham,

como uma acidental conversa ao fim da tarde,

aspirando a brisa que sopra de mansinho.



Na monda dos afectos, é fugaz, Cibele,

a botânica gentil dos sentimentos.



Foto e poema: apm

DEDICATÓRIA

Volúpia de mil desejos,

Perfume de água e sal,

Em ti deposito um beijo

E a luz, que é natural.


Foto e poema: apm