sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ANO NOVO

J. Sebastián Bach. Saludo


Moderno como las olas

antiguo como la mar

siempre nunca diferente

pero nunca siempre igual



Eduardo Chillida, in Preguntas

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

NATAL É COMO SE...






























NATAL É COMO SE…

Fosse a festa construída

em tempo e espaço, muito embora

a memória persistisse revestida.


Natal é como se…

Em cada um de nós surgisse

a mão estendida,

no sentido de dar e receber:

não a esmola secreta e compungida,

ou o presente inscrito no dever,

antes a ternura prosseguida.



arlindo mota

domingo, 12 de dezembro de 2010

ATÉ QUANDO? (O Difícil Mundo dos Idosos)



Os filhos da urbe, apartam-nos; os lares que constroem para eles são verdadeiras estalagens para a derradeira vagem, sem açúcar, sem afecto; a sua reforma é inferior, na maior parte dos casos, ao valor das roupas de marca que os seus netos usam; o preço dos medicamentos que lhes prolongam a vida está pela hora da morte…

Resta-lhes, como na alegoria de Elio Vitorini, seguir o trilho dos elefantes, que se apartam da manada, quando sentem que a sua utilidade chegou ao fim, dirigindo-se para norte, gigantesco cemitério de elefantes: “Consideram-se mortos e morrem”, desistem de viver. Para quando a devolução da dignidade perdida dos mais velhos; até quando estes atravessarão o presente, desculpando-se de não ter ido mais longe”, nas palavras de Brel, e se sujeitam à tirania dos que esperam o seu sono tranquilo e infinito?

arlindo mota

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

PÃO POR DEUS






























PÃO POR DEUS


Os grãos que se não colhem não existem

Ou existem entre os fios de uma mão

Que se tecem nas palavras que lavradas

Se fecundam na farinha que é o pão




arlindo mota

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

POETA DO MÊS: ALEXANDRE O'NEILL





PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testastarudo, mas embolado e, afinal, amigo, se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal, o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!



(Feira Cabisbaixa, p.211,1965)
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Alexandre O`Neill nasceu em 19 de Dezembro de 1924 e morreu 21 de Agosto de 1986, em Lisboa. Foi um dos poetas marcantes da sua geração, conciliando o surrealismo que o marcou indelevelmente com a mais brilhante tradição satírica da literatura portuguesa. Foto retirada, com a devida vénia, do site Tormentas.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

DOMINGOS DA MOTA: Bolsa de Valores


Pormenor de um quadro de Paulo Themudo

BOLSA DE VALORES

Há quem faça passar gato por lebre

e por anho ou cabrito muito cão

e se afirme credor mesmo se deve

e perjure que sim perante o não


Há quem fale em fartura quando a fome

e a sede sufocam as gargantas

e convoque o verniz do sobrenome

pra atestar o que diz até às tantas


Há quem venda ilusões como certezas

e corrompa e aguce a cupidez

e no meio de tais subtilezas

presuma branquear mais uma vez


que a bolsa de valores, em substância,

retrata o poder e a ganância


(Domingos da Mota publicou recentemente, na editora Temas Originais, de Coimbra, o livro que toma por título o nome deste poema. A sua obra ergue-se ancorada na tradição da melhor poesia portuguesa, que reescreve de uma forma própria, original, mostrando-se atenta à realidade nas suas diversas perspectivas. É, por isso, um livro que a Seda das Palavras recomenda vivamente.)

BOUTIQUE DOS RELÓGIOS PÚBLICOS



foto: arlindo pato mota

MADRID