sábado, 20 de março de 2010

SOFIA (VISTA POR IBERNISE)

1.
À medida que o tempo humedecia,

crescia entre a areia do pecado,

cálida na substância e na idade.

Fez-se mulher: sumo de romã

em taça fria.


2.
Sacudiu graciosamente os ombros,

abotoou, lasciva, o último botão,

pegou na sacola, cingiu o corpete,

e partiu naquele dia, como nos demais,

mas jamais apareceria,

Sofia.


Foto e poema: arlindo pato mota


COMENTÁRIO DE IBERNISE*

Poema cadenciado num ritmo sugerido pelas rimas internas, produzindo um efeito sonoro especial, durante a declamação. Uma construção que envolve o simples numa complexidade que se expande exponencialmente.

São várias as vertentes para serem exploradas num poema riquíssimo como este, mas vou avaliar a questão da dádiva…

Sofia parece ser muito dadivosa… Mesmo se considerarmos as questões filosóficas.

Faço este destaque considerando que este excerto é cerne, que promove o entendimento das atitudes de Sofia, intencionais e manifestas:

'… cálida na substância e na idade.

Fez-se mulher: sumo de romã

em taça fria.'


A beleza lasciva chamando atenção ao último botão é de uma singeleza sem par. Uma imagem que fica… Uma mulher a abotoar o ultimo botão… Tem muito de tudo e de nada.

No entanto aqui realçando apenas a dádiva…
Os botões lembram um final, podendo lembrar uma desistência em pleno interlúdio amoroso.

O que se dá a alguém que muito quer mas às vezes não sabe receber. E assim, a graça da dádiva se torna a mácula da entrega… Mas isto n-ao nos deve impedir de sermos generosos… Como saber antes de entregar algo, se alguém vai ou não saber receber?

Sofia desaparece… Um desaparecimento que pode não ser… Sugere que poderia ser uma mudança de atitude, e como tal, crescimento implica num renascer onde o antigo ser 'deixa de ser'… Para aparecer renascido em novas atitudes, é …

Mesmo entendendo que mais vale acreditar na riqueza da dádiva do que se recusar a acreditar no amor de quem irá recebe-la… E isso todas as sofias, em algum momento da vida, precisam avaliar, nas suas escolhas.

Ainda que precisem se tornar uma nova pessoa, desaparecendo, enquanto renascem de cada experiência… Momento duro de incorporar, mas necessário para escrever uma nova história, começando pela sua própria…


(*IBERNISE, credenciada poeta brasileira, companheira do site Luso-Poemas, tem prodigalizado alguns poemas aí publicados, com comentários que são verdadeiras análises literárias, caso singular de atitude pedagógica e de amizade, que por raro e notável, não gostaria de deixar sem um registo aqui, no Seda das Palavras, com um profundo gesto de agradecimento e de carinho. arlindo pato mota

1 comentário:

Joana disse...

Gostei muito de rever a SOFIA, um dos poemas seus de antologia a que a poetisa Ibernise faz uma análise muito cuidada e penetrante. bjs aos dois.