sexta-feira, 19 de março de 2010

JÚLIO SARAIVA: BALADA DA TERRA

"Mas nunca provei dos frutos das minhas mãos..."

De uma canção de Luís Gonzaga Jr. ou Gonzaguinha

"Malditas sejam
todas as cercas!
Malditas todas as
propriedades privadas
que nos privam
de viver e amar!"

Do poema Terra Nossa, Liberdade,
de Dom Pedro Casaldáliga,
bispo emérito de são félix do araguaia,
que trocou o palácio episcopal por uma choupana.
catalão, veio ao brasil, como missionário claretiano e foi sagrado bispo contra a sua vontade. enviou para a mãe o anel episcopal e o substituiu por uma aliança de casca de coco - símbolo da opção preferencial pelos pobres. foi várias vezes advertido pela santa sé, por seus escritos e posição política. foi várias vezes também ameaçado de expulsão do brasil na época da ditadura. vive entre posseiros e índios até hoje, numa região de conflitos.




























a terra irmão
pertence aos que nela trabalham
de sol a sol semeando o pão
que na mesa lhes falta muitas vezes
e é atirado ao lixo pelos burgueses
porco e gordo o burguês canalha
sempre dono e senhor de tudo

a terra por justiça deveria ser
de joão e de maria
de josé e de rosário
e de dolores
(tantas dores)
e dos filhos que fizeram
que andam descalços pelos campos sem escola
sem futuro sem nada
a terra não deveria ser
do mocinho bonito filho do senhor
o mocinho bonito que usa e abusa
da triste mocinha do campo
e depois a põe fora
como se fosse o final de um cigarro

a terra pertence ao lavrador
mas a ele só lhe vão dar os sete palmos medidos
como escreveu joão cabral
como escreveu dom pedro casaldáliga
como escreveu miguel torga
como escreveram outros tantos
mas nunca lhes deram ouvidos
senão a prisão
e o rótulo de agitadores
e subversivos

a terra é muita
e pertence ao povo que a fecunda
que faz crescer a semente
em troca de dinheiros minguados
a terra é de quem pega na enxada
e vive em habitações precárias
mas não é bem assim como deveria de ser
: a terra pertence ao coronel miserável
que se vale do dinheiro e do poder

enfim camarada
que somos nós senão nada?
nada nos vale escrever
a terra só enterra o pobre
ao pobre só resta morrer
e morrer...e morrer...

_____________
júlio, 15-03-10

Este poema foi-me dedicado pelo ilustre poeta brasileiro Júlio Saraiva, que facilmente percebeu que a Seda das Palavras também comporta a dimensão social de profunda solidariedade para com os mais desfavorecidos. O meu maior agradecimento e amizade.

Foto: de uma pintura elaborada por alunos que concorreram ao projecto internacional "Kids Guernica", organizado pela AMRS.

4 comentários:

Joana disse...

Belo poema desse seu amigo. E fala de questões actuais, sem a "ganga" de muitos poemas sociais.
bj

Júlio Saraiva disse...

amigo arlindo,
sinto-me honrado por ter sido incluído neste seu espaço. digo mais, meu irmão poeta: falarei e gritarei a meu modo em defesa do povo sem terra quantas vezes forem necessárias. o poeta tem o dever moral de ser participativo, você sabe muito bem disso porque também traz consigo uma história.
abraço e saudações socialistas.

j.

arfemo disse...

amigo júlio,

este meu espaço é de algum modo um espaço de apaziguamento comigo mesmo, daí o nome "A Seda das Palavras" (guardei para outros espaços para manter a coerência dos valores. por isso foi uma grande honra minha sua presença aqui, pelos valores que defende e que partilho; pelo valor intelectual que lhe reconheço.
abraço fraterno, querido amigo
arlindo

arfemo disse...

Olá Joana,

Júlio Saraiva é um excelente poeta brasileiro que muito honra este espaço. obrigado e vamos andando por aí...bj
arlindo