quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Bach menuet

ANO NOVO

Sebastián Bach. Saludo


Moderno como las olas

antiguo como la mar

siempre nunca diferente

pero nunca siempre igual




Eduardo Chilida, in Preguntas

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

ALEXIS: Poema e Entrevista



Alexis é uma poetisa de vastos recursos e inteligência que navega preferencialmente no site Luso-Poemas, onde temos interagido e de onde resultou este poema dedicado à Poesia e à Filosofia, duas áreas de interesse comum.

dedicado à filosofia e à poesia

(poema)

para lá deste portão
há segredos
de uma aurora
estranha e fria.
branca e leve
esta mão
aquece cores
de um novo dia.


(entrevista)

o que há para lá do portão?
a minha pura admiração.
e o que há de estranho na aurora?
o mistério por dentro e por fora.
e como responde, então,à seguinte questão:
o que é para si a poesia?
música divina
no meu coração,
que vê na palavra
uma via.


poema: alexis
foto: apm

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

DIÁLOGO ENTRE PAI E FILHO, O NATAL E DEUS...




DIÁLOGO ENTRE PAI E FILHO,O NATAL e DEUS, ENTRE CÁ E LÁ

- Gostei muito do Natal este ano.
- Porquê?
- Tive muitas prendas…
- Quem deu?
- O pai natal.
- E o menino Jesus?
-Também… olha, acreditas em Deus?
- Porque perguntas?
- Porque sim! ( E ficou, de repente, muito sério)
- Isso não é importante para ti, ainda…
- Não? Porquê?
- Porque sim, respondi.
- Porque sim, não é resposta…
- Acreditar ou não, depende de ti, não de mim, entendes?
- Sim… - e depois disse:
- E quando morreres vais para o céu?
- Não sei…
- E eu?
- Tu, vais.
… Ele ficou calado, enquanto um sorriso lhe assolava o rosto…
- Porque sorris? (perguntei, enquanto lhe fixava o olhar matreiro )
- Então, não faço os trabalhos de casa das férias do Natal!
- Porquê?
- Já não tenho medo!


Texto e foto: arlindo pato mota

sábado, 26 de dezembro de 2009

BILHETE POSTAL: PRAGA



PRAGA: Monumento a Jean Huss

Percursor da Reforma, Jean Huss representa a tentativa de emancipação da Boémia, do povo checo, dos ditames da Igreja de Roma. Acabou aos 46 anos por morrer na fogueira, condenado pela Inquisição. Consta que terá dito antes de ser queimado: "Hoje estão queimando um ganso (Hus na língua da boémia), mas dentro de um século, deparar-se-ão com um cisne. E esse cisne, vós não podereis queimar!"

Costuma-se identificar esta profecia com o aparecimento, 102 anos depois, de Lutero e a cisão que este protagonizaria entre protestantes e católicos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

NAVEGAR A LUZ




Um pouco como a luz que se refracta

- em tons que só existem no luar -

assim vou percorrendo a madrugada,

côncavo como as arestas do vento,

que o sonho persiste em temperar.



Foto e poema: apm

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

LEDALGE: A Alma Poeta

A alma poeta é uma multifacetada ideologia

Um quinhão de sonhos entre os arbustos

O estancar sanguíneo diante dos suplícios

A alma poeta que tem luz, não a simples que se acende

Mas, a que transmite ao mundo clarividências ardentes

Na ponderada palavra, sem tormentas nas veias

Assim, vejo que nasceu essa alma poeta

A que partilha, acarinha, ensina e revela

Que o melhor dos sons não está no verso, mas no coração

E isso, não se aprende na escola, nem na rua, nem nas desditas...
mas sim na emoção!


Ledalge (pseudónimo de Núria Carla)
(*Publicado originalmente no site Luso-Poemas)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A PRENDA QUE EU TOMEI! Do António Gedeão…

(Para os companheiros do Luso-Poemas neste Natal 2009)

Dispensava o autocarro e ia na companhia do seu aluno que, de tanto o dizer, o queria ser. E ele condescendia, que sim, que sim senhor, um dia haveria de ser. E assim foi, que era um homem de palavra…e esta rara nele, que não gostava de se ver retratado na rádio ou na imprensa. Assim nasceu a sua primeira grande entrevista dado a um “miúdo” ao grande jornal da época das Artes e das Letras. Boa a entrevista? Podia lá ser, quanta ingenuidade havia naquela tenra idade…mas ele não se importou e com o carinho só prodigalizado a quem gostava, ajeitava a linguagem e falava como se à sua frente estivesse alguém à sua altura. Hoje, mais perto do Natal, fui-lhe tomar emprestado – porque sei que ele mo dava!... – um poema (excerto) com que me identificava, com a saudade imensa do melhor professor que alguma vez tive e do poeta e amigo que pouco fiz por merecer.

arlindo pato mota


UMA QUALQUER PESSOA

Precisava de dar qualquer coisa a uma qualquer pessoa.

Uma qualquer pessoa que a recebesse

num jeito de tão sonâmbulo gosto

como se um grão de luz lhe percorresse

com um dedo tímido o oval do rosto.


Uma qualquer pessoa de quem me aproximasse

e em silêncio dissesse: é para si.

E uma qualquer pessoa, como um luar, nascesse,

e, sem sorrir, sorrisse,

e, sem tremer, tremesse,

tudo num jeito de tão sonâmbulo gosto

como se um grão de luz lhe percorresse

com um dedo tímido o oval do rosto. (…)


ANTÓNIO GEDEÃO
(Publicado por Arfemo em 20 de Dezembro de 2009)

sábado, 19 de dezembro de 2009

A POESIA É UMA ARMA CARREGADA DE FUTURO...





Cidadão de causas, assim se manteve até hoje, e disso este livro, editado pela

Câmara do Seixal, trata desta vez, justamente. Poeta, utiliza e utilizou a pena,

para ajudar a brotar a poesia que nasce nas flores da liberdade. Político, não

esqueceu as artes e os seus criadores. Poeta, foi erguendo a sua obra, na mesa dos

despachos. Um e outro - o mesmo - teimaram na coerência. Disso fui testemunha

privilegiada.


Texto: apm
Livro: Seixal Somos Todos Nós
Textos e Intervenções Eufrázio Filipe

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

NATAL COMO SE...



Poemas editados no site Luso-Poemas. Fica meu agradecimento a Sterea, poetisa que muito admiro, pela sua autorização de publicação no blog.


Fosse a festa construída

em tempo e espaço, muito embora

a memória persistisse revestida.


Natal é como se…

Em cada um de nós surgisse

a mão estendida,

no sentido de dar e receber:

não a esmola secreta e compungida,

ou o presente inscrito no dever,

antes a ternura prosseguida.



arlindo mota


Natal é como se...

fosse moeda de troca

o calor de um abraço

e se perfumasse o espaço

com fumos brancos de incensos,

com ramos verdes de paz...

e no rosto, o toque rubro

de um sorriso sem estudo,

só a luz que o amor faz..



Sterea

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A SEGUIR



O silêncio total e um sorriso

é quanto a mim já peço e mais preciso.

Um silêncio de amor e entendimento,

em que o mundo é o mesmo, mas conciso.


Aceito que é um grande atrevimento

ir assim cultivando um sentimento

que me possa igualar a morte à vida,

sem de nada sentir ressentimento;


mas não consigo ver a despedida

como um erro qualquer da natureza:

amor à morte é muito amor à vida.


O Mundo é o sonho da Beleza

jamais por sofrimentos destruída.

Calar a dor! Sorrir esta certeza.



Resendes Ventura /pseudónimo literário de Manuel Medeiros

in "PAPEL A MAIS"

domingo, 13 de dezembro de 2009

DEBRUANDO A LUZ...



Disseste que os teus olhos já não conseguiam debruar a luz como faziam antigamente…que agora tacteiam a memória, mas enganam-se, frequentemente, na paisagem.
Não esqueceste a fragrância do desejo, entre fráguas e a verdura das encostas, por entre a limpidez do murmúrio das águas. Por isso, manténs as portas entreabertas e subsiste no teu colo uma infância por crescer. Abrigar-me-ás, decerto, em noite de lua cheia. Habituado ao ritmo dos sapais, acatarei a próxima maré para te acolher, tufos de verde acariciarão os teus cabelos em reflexos desfocados pelo movimento lânguido das águas do estuário.

A voz terá sempre um timbre inconfundível, prenhe de iodo e limos. Eu, aguardarei apenas a ténue luz dos vaga-lumes para assistir ansioso à tua chegada, roupas coladas ao corpo naquele teu jeito insinuante de faz-de-conta. Ainda hoje, sinto o movimento das tranças presas no exacto momento em que um inesperado eclipse do luar deixara a tua pele, deliciosamente branca, nas minhas mãos acabadas de acordar. Surripiei-te, então, tudo o que tinhas e comigo guardei – precioso bem! – uma vermelha flor liquefeita, daquele primeiro dia em que fiz amor contigo.

“Poemas para Cibele”

O VELHO LIVREIRO...



É um livro original e consequente de uma "espécie em vias de extinção": o livreiro. Neste caso Resendes Ventura, o Manuel Medeiros, da Culsete, de Setúbal, onde se fizeram inúmeros lançamentos de escritores renomados e outros menos conhecidos, todos aí encontraram porta aberta, a afabilidade, o conhecimento e a amizade pela leitura e pelos autores. Não resisto a transcrever, com alguma emoção, as palavras imerecidas que me dedica:

"Uma roda de amigos partilhando a emoção e o sabor das palavras», deixou-nos escrito nesse serão Arlindo Mota. O precioso objecto que é o seu livro de poemas A Seda das Palavras. E o inevitável percorrer dos «percursos percorridos». Haviam passado muitos anos "desde que recebi na redacção da A-Z, num diálogo sobre a colaboração na revista, o activo jovem universitário Arlindo Mota. Como havíamos de advinhar? Setúbal esperava-nos, para aqui fazermos, os dois, o longo percurso que nos trouxe até este serão. Sem consulta prévia, ter-nos-á, este serão, sido (aí)marcado? Para que não duvide, basta apropriar-me de um dos teus versos: «foram destinos aceites»."

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

VANIA: Dentro deles mesmo que de havaianas




foi ali bem no meio de mim
me lembro
de ter uma taça de vinho entre nós
e muitos pés
me lembro de cada rosto
do resto da história duvido
por certo que de alguns
só restou um pé de sapato
não importa
doces encontros
abraço cada um
como nunca abracei antes
só quero saber
a hora de deixar a porta aberta
chamar meus amigos
sentados pela vida
deixar a vida sentada em mim
ah, e eu dentro deles
mesmo que de havaianas


Vania Lopez

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Vania Lopes, artista plástica e poeta,de nacionalidade brasileira, acrescenta, ao talento que se lhe reconhece, uma capacidade de criar laços, numa postura permanente de colaboração, partilha e amizade. Fica aqui este pequeno registo, que outros se seguirão, certamente, se houver oportunidade...

arlindo mota

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

PÁSSARO CEGO - Manuel Paulo e Nancy Vieira

A voz quente da cabo-verdeana Nancy Vieira para a música de Manuel Paulo e as letras de João Monge justificaram a ida ao São Luiz num dia de temperatura amena e chuva esparsa e doce. Se o espectáculo ainda precisa de ser mais trabalhado, os ingredientes estão lá, que os músicos e a voz merecem os nossos entusiásticos aplausos.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

DIA DE ANIVERSÁRIO




Um dia de aniversário

Não surge assim de repente,

Teorema ou corolário?

Substância ou acidente?

Nem uma coisa, nem outra,

Apenas fruto do tempo,

Das folhas do calendário.




arlindo mota
Foto e poema

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

AS TARTARUGAS TAMBÉM VOAM*




Órfão milenar, a profissão a herdara dos pais:

Nela se mantinha, sem orgulho, nem credo,

Apregoando, baixinho, a sua mercadoria.

E, assim, lá ia vendendo o seu ódio,

Quase a medo…



arlindo mota


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*Título de um filme escrito e realizado por Bahman Ghobad, sobre a realidade das crianças curdas refugiadas durante a guerra, mas que se poderia aplicar, de igual modo, aos palestianos, enfim às crianças “que nunca foram, meninos”, cujo horizonte é a guerra e o ódio que ela gera, ou vice-versa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O POETA DO MÊS: António Gedeão



António Gedeão (pesudónimo leterário do professor liceal, investigador e divulgador científico Rómulo de Carvalho, nasceu em 26 de Novembro de 1906)


O que António Gedeão pensava da poesia portuguesa do seu tempo


Há naturalmente um excesso de carga negativa, que é a mais superficial, como sucede

nos átomos e, portanto, a que tem actividade mais viva e permanente. Decerto

incomoda ler tantos e tantos poemas indistintos, de uma dúzia de autores que

poderiam ser o mesmo pela ausência de indicativo pessoal. Foi sempre assim. O que

interessa é que existam, como de facto existem, poetas de primeira grandeza na

poesia nacional dos nossos dias.


(In entrevista realizada por arlindo pato mota para o Jornal De Artes e Letras, por ocasião da 1ª edição do livro "POESIAS COMPLETAS" de António Gedeão)


Quadro a óleo: Hugo Silva

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A ALDEIA, Lugar de nascimento



Parece a Grande Casa de Romarigães, solar puqueno, história quase desconhecida, mas que faz o pleno da errância de férias entrecortadas dos lugares onde nsci, mas onde não cresci. Os grandes cães que assomovam aos portões aterrorizavam-me, quando distraído, passeava ao longo do gradeamento. Dos senhores, jamais lhe vi o rosto. Do edifício, felizmente não caiu em ruínas, mas precisa de obras profundas de restauração. E aí estará o gato, que a aldeia é pequena, e não há tradição em portugal de salvaguardar o património, a substituir os cães, só que quem tem medo desta vez, como se percebe pelo olhar, é ele...






Texto e fotos: apm

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PRECOCEMENTE, O OUTONO



Poema dito por José Silveira, querido poeta, que do Brasil enviou este abraço com o todo o talento e amizade da sua voz. Obrigado "amigoirmão"!


Dantes tinha muitos amigos, bebíamos e cantávamos enquanto o rio desaguava a desoras no cais da ribeira, junto às margens do teu corpo. Não tínhamos sede, nem pressa de chegar. A vida em delta, foi-nos separando, mas tudo parecia continuar a fazer sentido.

Agora, os amigos desse tempo abrigam-se quase todos na memória, o céu mudou de cor e já não há mar que nos sossegue.

Quero de volta o azul e não consigo. Telefono, escrevo, envio mails, mas sinto-me estranho na vídeo-conferência.

Levantamos os copos – que estão vazios ou meio-cheios – numa comunhão que antes entendia ser perfeita e sinto que já não há sagração possível. O tempo, diz a meteorologia e a cor dos teus cabelos, mudou...


Voz: José Silveira
Poema: Arlindo Mota
Publicação original: Site Luso-Poemas

sábado, 24 de outubro de 2009

A EMOÇAO DA COR



Quem controla o desejo, a emoção

ou a ternura?

A paleta, responde o pintor.

A palavra, atalha o poeta.

Juntos, distribuem a luz

que inunda de cor o planeta.



Foto e poema: apm

terça-feira, 20 de outubro de 2009

FLOR DE SAL nos ANOS 60




A convite de Fernando Casanova, proprietário do bar Anos 60, "FLOR DE SAL" foi objecto de animada tertúlia no dia 15 de Outubro. O autor e a obra foram apresentados pela Drª Vera Silva. A curiosidade pelo documento e a época riquíssima a que se reporta, os anos 30 do século passado, na emergência e consolidação da ditadura do Estado Novo, promoveram animado debate entre os presentes, que no final sempre conduzia ao material ficcional. As diversas e riquíssimas experiências em confronto abriram o apetite para a direccção que o autor tomou no desenvolvimento da obra romanesca. FLOR DE SAL ficou um pouco mais conhecida e desejada.

Foto: A.Batista
Texto: apm

domingo, 18 de outubro de 2009

TU CÁ, TU LÁ - Antologia Poética




Dia 17 de Outubro, teve lugar a apresentação de uma antologia de poesia que teve a particularidade de nascer no mundo virtual, constituída por poemas de 15 autores. Muitos deles com blogs próprios e/ou com um traço comum no site Luso-Poemas: Dolores Marques, José Luís Lopes, Ana Coelho, António MR Martins, José António Antunes, São Gonçalves, Lurdes Dias (Cleo), Luis Ferreira, AnaMar, Carlos Filipe Conchinha, Conceição Bernardino, Gonçalo, Lobo Pinheiro, J.C.Patrão, Liliana Maciel, Miriam Costa.


A festa foi bonita, num lugar soberbo (Manutenção Militar), num espaço museológico revestido de azulejos oitocentistas, que revestia a padaria da manutenção militar. Uma antologia de palavras e de amizade congregou os presentes, numa festa animada onde a poesia e os poetas tiveram o lugar central. Parabéns para todos e obrigado por ter oportunidade de rever em carne e osso amigos do mundo virtual



apm

BILHETE POSTAL: VENEZA




Estou alojado junto à Piazza San Marco, num pequeno palacete recuperado com uma

dúzia de quartos que me faz retroceder séculos. Daqui pode-se ir a pé,

atravessando pontes ancoradas na memória e que nem os milhares de turistas

perturbam. Aqui as pessoas podem anonimamente dar as mãos, trocar carícias,

beijarem-se, ou andar apenas pelas singulares “fondamenta”, passeio sublime junto

às margens do canal. Hoje o nosso destino é a Ponte di Rialto., fascínio dos

sentidos, pela sua localização e história. À noite, no regresso, a angústia do

filme de Visconti invade,-me, imaginando a peste e a impossível fuga pelas ruelas da

cidade medieval. Que a libertação é interior, diz-se…


texto e foto: apm

terça-feira, 13 de outubro de 2009

FREDERICO SALVO: Rochedo

Eu não sei ser diferente

Só sou o que sou.

Não adianta você me querer

Como você sonhou.

É duro saber que um sonho

Está muito além da realidade.

É duro saber que a verdade

Nem sempre nos convém.


Não me condene

Por eu não ser como você,

Pois eu teria defeitos

Que você nem vê.

Não deixe a porta aberta

Quando você sair.

Saudade é coisa incerta,

Pode querer vir.


Não quero estar à deriva

Quando a saudade chegar.

Quero ser um rochedo

Plantado à beira-mar.

Luz que brilha sozinha

Em meio à escuridão.


...Deixa passar o verão.




Frederico Salvo.

(Querido amigo e poeta brasileiro, companheiro no Luso-Poemas, cujo poema está musicado e cantado pelo autor) Cf. Post anterior

mp3

domingo, 11 de outubro de 2009

REFLEXÃO

Subitamente

O rumo se fez tempo e ao longe

O amanhecer se recortara.


A quem cabe o fortuito,

O desgarrado,

O repensar o acaso, o absoluto,

O misterioso esgar e

A impoluta coragem,

A razão dia a dia perscrutada,

E a fuga ciclicamente repetida?


Arqueados, no cais, retomamos

O alento da manhã. Caminhamos.



Autoria: apm

sábado, 10 de outubro de 2009

JACQUES BREL - NE ME QUITTE PAS - LEG.EM PORTUGUES

Ela ofereceu-me um disco de Brel, eu um de Zeca Afonso; ela era francesa, de Bordéus, eu de Lisboa. Ela era a minha correspondente e nunca nos chegámos a conhecer pessoalmente. Os dois autores eram o nosso esperanto e a minha esperança. “Ne me quitte pas”…
(por ocasião do 30 aniversario da morte de Jacques Brel)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

70 POEMAS POR UM SORRISO



Numa iniciativa muito bonita, esteve em Setúbal o poeta António Paiva para lançar um livro cuja receita revertou a favor da APPACDM e que envolveu muitas pessoas, cujo nome aqui fica: Vanda Paz, Susana Moura, Alexandra Paz, Fernanda Esteves, entre outros.

70 poemas por um Sorriso é, mais do que uma dádiva, um acto de solidariedade activa. Há outras formas de ajudar, dir-se-á, mas esta é genuína e este sorriso dgno de registo. Sorriso esse que teve a acompanhá-lo ao piano mestre Rui Serôdio, numa sessão animada por Américo Pereira.

O nosso sorriso para os nossos meninos e jovens da APPACDM que também disseram poemas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ATÉ QUANDO? (No dia mundial dos idosos)




Os filhos da urbe, apartam-nos; os lares que constroem para eles são verdadeiras estalagens para a derradeira vagem, sem açúcar, sem afecto; a sua reforma é inferior, na maior parte dos casos, ao valor das roupas de marca que os seus netos usam; o preço dos medicamentos que lhes prolongam a vida está pela hora da morte…

Resta-lhes, como na alegoria de Elio Vitorini, seguir o trilho dos elefantes, que se apartam da manada, quando sentem que a sua utilidade chegou ao fim, dirigindo-se para norte, gigantesco cemitério de elefantes: “Consideram-se mortos e morrem”, desistem de viver. Para quando a devolução da dignidade perdida dos mais velhos; até quando estes atravessarão o presente, desculpando-se de não ter ido mais longe”, nas palavras de Brel, e se sujeitam à tirania dos que esperam o seu sono tranquilo e infinito?

arfemo

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

PAÍS DE DESCOBERTAS




Sorvemos da raíz o paladar,

Dispensámos o sal e a pimenta,

Descobrimos a terra à beira-mar,

Nascemos num país de descobertas.



Foto e poema: apm

sábado, 26 de setembro de 2009

VIDA SEVERINA




Que se passa connosco, afinal, que vemos, ouvimos e não percebemos, que ignoramos, mesmo quando se passa ao nosso lado, a vida destes “retirantes” que João Cabral de Mello Neto tão bem descreveu nos seu poema dramático “Morte e Vida Severina” ?
São os navios do sonho que procuram as Canárias ou o bilhete de 500 euros para o paraíso Europa de qualquer lugar do Brasil.

Vida Severina esta onde já não são as pessoas que se deslocam para a fábrica, mas em que as fábricas são gigantescas autocaravanas, que deslizam incessantemente à procura de novos severinos. “Que morrem de fome antes dos trinta...”. Que nos sucedeu a nós, entretanto, que aprendemos a indiferença, seres esquálidos sujeitos à ditadura da moda e do ginásio, incapazes de cultivar a solidariedade activa, resignados perante o absurdo?

Texto e foto: apm

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

ECLIPSE?

Cibele jamais imaginara que os homens

ousassem esconder o Sol, por não saberem

o que fazer com a luz.







Foto e poema: arlindo mota

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

DESEJO

Dissimulada, a névoa se dissipa,

Deixando a nu penhascos e represas

Por entre veios de água e fantasia

Onde faunos e sereias se recriam.

Do nada, como o vento de fugida,

Surge uma avenida junto ao mar:


Por ali, florira o desejo e se cumprira,

Por ali, brotara a seiva e o luar,

Aí queria ficar por toda a vida.





foto e poema:apm

AQUILES E A TARTARUGA

“Fizeste-me estugar o passo – tartaruga – e, no fim,

nem o teu rasto encontrei”. Que surpresa, Aquiles, se

ignoraste dos sentidos as emoções…




apm



foto: apm

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

COMO A ARTE DE FURTAR É MUITO NOBRE

Este texto é de um autor anónimo do século XVII, atribuído muitas vezes ao Padre António Vieira, nunca confirmado, e trouxe-o à colação a propósito disto e daquilo...(i.e. a arte é mui antiga e vai-se perpetuando, pela “eternidade e mais um dia”

“Mais fácil achou um prudente que seria acender dentro do mar uma fogueira que espertar, em um peito vil, fervores da nobreza. Contudo ninguém me estranhe chamar nobre à arte, cujos professores, por leis divinas e humanas, são tidos por infames. Essa é a valentia desta arte (…) de gente vil faz fidalgos, porque onde luz o oiro não há vileza.

E prouvera a Deus não tivera tanto de nobre, pois vemos que e tudo o mais que tem preço; e os sujeitos em que se acha são, por meus pecados, os mais ilustres. E para que não engasgue algum escrupuloso nesta proposição, com a máxima de que não há ladrão que seja nobre, pois o tal ofício traz consigo extinção de todos os foros da nobreza (…) entendo o meu dito segundo o vejo exercitado em homens tidos e havidos pelos melhores do mundo, que no cabo são ladrões, sem que o exercício da arte os deslustre, nem abata um ponto do timbre de sua grandeza.”

INTERIORES




Que rio atravessa a alma,

e a inunda de lodos e ramagens?

Indiferente a desejos e ternura,

incapaz de suscitar novas paisagens.



foto e poema: apm

A arte de furtar

A Arte de Furtar de Jorge de Sena

JORGE DE SENA

Os restos mortais de Jorge de Sena voltaram finalmente a Portugal, de uma forma porventura demasiado discreta para a dimensão do poeta e crítico literário que se vira obrigado a exilar-se no regime de Salazar.Associamo-nos publicando este poema da nossa antologia poética virtual "VERDES ANOS". apm


UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiére
just a little light
una piccola…em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.

(in FIDELIDADE, 1958)

domingo, 6 de setembro de 2009

FESTROIA: 25 Anos é muito tempo..



Teve início o 25º FESTRÓIA, desde há alguns anos fixado em Setúbal. Num país onde as grandes distribuidoras americanas ditam o que podemos ver, a simples existência deste certame é um evento a não perder, pela variedade de cinematografias em exibição, pelos filmes que provavelmente jamais serão exibidos em Portugal. Aqui deixarei um ou outro apontamento que a oportunidade e o tempo permitir. Destaque para o país convidado: República Checa. A não perder.


apm

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

FOTOPOEMA: Numa Palavra...




Dizer, numa palavra, que é o vento,

inóspito e glorioso das manhãs,

e assim, permanecer, para todo o sempre.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

JORGE PÉ-CURTO




Tomei contacto pela primeira vez com a obra de Jorge Pé-Curto através da Arte Pública. Haviam-me ficado na retina duas peças que integravam o roteiro que estava nessa altura a elaborar: o bombeiro e e a viagem, peças de escala relativamente pequena, de feição figurativa, delicadas e suavemente alegóricas. Se assim me captavam a atenção entre centenas de peças é porque guardavam em si qualquer coisa de singular. A viagem posterior ao interior do seu universo criativo reforçou esta primeira impressão: há na obra do escultor uma originalidade que dispensa obscuras exegeses retóricas, pois exibe uma qualidade afectiva que aproxima e potencia a sua percepção pelo espectador e onde emerge a linguagem irónica que são já uma das marcas d'água do seu universo artístico.

domingo, 23 de agosto de 2009

REENCONTRO




Em tudo o tempo se houvera,

Como se fora também,

Aconchego de menino

Nos braços de sua mãe.








Fotos e poema: arlindo mota

NUNCA FUI MAL PROCEDIDO

asedadaspalavras evoca aquele que terá sido, antes de António Aleixo, o mais conhecido poeta popular português, tendo merecido a honra de ver prefaciada uma recolha dos seus poemas (“Versos do Cantador de Setúbal”, 1901) por Guerra Junqueiro, e que, no início da década de 80, estava completamente esgotado pelo que a SALPA, Associação de Defesa do Património de Setúbal, me encarregou de organizar uma antologia de António Maria Eusébio “O Calafate” de onde retirei este poema.

Nunca fui mal procedido,

Nunca fiz mal a ninguém,

Se acaso fiz algum bem,

Não estou d’isso arrependido.

Se mau pago tenho tido,

São defeitos pessoais;

Todos seremos iguais

No reino da eternidade;

Na balança da igualdade

Deus sabe quem fez mais.



António Maria Eusébio “O Calafate”

quarta-feira, 19 de agosto de 2009



FLOR DE SAL:Pré-lançamento em Alcochete

O romance "FLOR DE SAL" teve o seu pré-lançamento, no dia 20 de Junho, na Biblioteca Municipal de Alcochete, local onde se passa grande parte da trama, respondendo ao apelo da vereação, cujo executivo, presidido pelo seu presidente Dr. Luis Franco, fez questão em estar presente, bem como o presidente da Assembleia Municipal, Miguel Boieiro e outros representantes autáerquicos. O autor do prefácio, Professor José Barata-Moura não pôde estar presente, cabendo a apresentação à Dr.ª Vera Silva. Para Outubro está previsto o lançamento do romance em Setúbal. Transcrevemos do resumo da contracapa a sinopse do editor e do prefácio:


Anos trinta. Salazar acabara de chegar ao Poder. Um amor proibido cresce por entre as areias do pecado e da intriga política, envolto numa atmosfera onde a mulher, rebaixada à condição de objecto, dificilmente se soltava das amarras sociais que a diminuíam e se assistia à implantação de um clima quotidiano de medo
(in sinopse do Editor)

As narrativas que ides ler correspondem a um exercício romanesco. Trata-se, portanto, de ficção; mas de uma ficção que mantém vivo o atrito com as realidades que lhe dão corpo, e que, por sua vez, ajuda a penetrar com finura de análise e com pertinência de composição; servindo-se de intertextualidades de diversa extracção, desdobra-lhe as incidências que apontam e aportam a um competente contexto…Arlindo Mota dá-nos a ver, e a pensar, toda uma pequena trama de episódios que pontuaram, com os seus jogos e teias de pequenos poderes de expressão local e de apadrinhamentos mais altos, a mesquinhez sórdida de um salazarismo quotidiano. In Prefácio de José Barata-Moura

PRAZERES




Foto: arlindo mota

terça-feira, 11 de agosto de 2009

MAR ADENTRO






Metódica, Cibele colhia a escassa chuva

na concha das suas mãos vazias.


Com os dedos esguios, habilmente, entrelaça-a,

pingo a pingo, como se fora um colar. Por fim, esbelta

e delicada, afoita-se , por entre o agreste das aroeiras,

mar adentro, oceano acabado de lavrar.



Poema e foto: arlindo mota

terça-feira, 9 de junho de 2009

FLOR DE SAL (Excerto II)

DO CASAMENTO INFELIZ DE MARIA MADALENA E DE COMO ELA SE ACABARA POR LIVRAR DELE


Maria Madalena tinha ainda bem presente a forma como tivera de enfrentar a sociedade da vila onde fora nascida e criada, tudo porque ousara libertar-se da clausura de um casamento infeliz, mesmo se o marido, alcoólico inveterado e mulherengo, lhe batia até deixar marcas, entre outras ofensas que preferia agora ignorar. Na inocência dos seus vinte anos, e se a principio acolhera com resignação aquela escolha da família, uma revolta surda ia-se apoderando dela, até à gota de água de uma amante mantida pelo cônjuge, sem pudor ou recato. Desobedecendo à lei e aos costumes, resistiu tenazmente às fantasias libidinosas que Castro Franco, o marido, de quando em vez, sobre ela, qual presa agrilhoada, intentava prepretar. Valera-lhe a mãe, senhora bondosa e austera, que conhecendo o descalabro físico e moral em que a vida da filha se havia transformado, lhe fornecia discreto, mas vital apoio, naquela luta desigual pela dignidade. Ajudara-a até a afastar-se, a pretexto de maleita do espírito, para casa de uma tia, numa vila que distava mais de duzentos quilómetros por entre acessos ruins. Aí ficou, até que as suas faces voltassem a ficar rosadas e, por vezes, até, chegar a assomar naquele rosto doce, um sorriso, se não de felicidade, pelo menos de alívio pela distância e esquecimento que aquela sempre traz.

O marido, contudo, não desistira e ameaçava constantemente ir por ela, apesar de advertido para o facto de a sua presença não ser benquista e nisso o tio mostrava uma bravura diferente do pai e, economicamente bem acolchoado na vida, dera ordens aos criados para manterem discreta vigilância a fim de se assegurar que Castro Franco não voltava a contactar a sobrinha sem o consentimento dela. Ameaçada pela justiça, fora nesse contexto que haveria de conhecer e apaixonar por Gouveia e Mello, que após terminar o seu curso de direito, se fixara, provisoriamente, na terra de origem dos pais, onde começara a exercer advocacia. Fora nessa qualidade que o tio os apresentara e ele passara a frequentar, cada vez com mais assiduidade, o solar da família.

Os serões eram agora mais animados com a presença quase diária do Advogado que, apesar do seu ar sisudo, parecia transfigurar-se na presença de Maria Madalena. Esta, por seu turno, quase se esquecera da triste condição em que, ainda tão nova, se vira mergulhada, sem vislumbrar saída, nem ânimo para o fazer. Quando a jovem senhora, a instâncias do tio, se recreava tocando, com graciosidade, peças de alguns conhecidos compositores clássicos, que lhe evocavam uma infância feliz, onde todos os sonhos ainda eram possíveis, Gouveia e Mello ficava extasiado a ouvi-la, fixando demoradamente aquelas mãos ágeis que voavam sobre as teclas, provocando sons vibráteis, que não deixavam de o inquietar. Outra noite fora a sua vez de, encorajado pelos anfitriões, recitar poemas de autores portugueses, como era comum fazer nas tertúlias. E como declamava bem, pensava no seu íntimo Maria Madalena.
Nos finais de tarde dos dias mais quentes, deambulavam pelo jardim frondoso, plantado há mais de um século por Moreira da Cunha, avô de Sampaio e Cunha, seu tio. Fora aí que, certo dia, Gouveia e Mello, recatadamente, mas com ternura, lhe endereçara tímidas palavras que faziam advinhar intenções que iam para além da simples amizade o que, decididamente, lhe fez estremecer o coração, apesar de não ser nada que já não suspeitasse.

Apesar dos seus esforços, não conseguiu evitar que, indomáveis, um par de lágrimas fossem mansamente caindo pelo rosto, enquanto lia a prosa que, sob a forma de alegoria, não podia ter outro destinatário senão ela.


Arlindo Mota


Foto apm

quinta-feira, 14 de maio de 2009

REFLEXÃO

Quem me guarda o luar

Das investidas do tempo?

Qual o percurso do mar?

Qual o destino do vento?




Poema: apm

domingo, 3 de maio de 2009

COMO NO COMEÇO

Tudo tão simples como no começo,

Quando o fogo incendeia, a mão aquece,

E o pensar o acaso não esquece

As palavras inscritas sobre a areia.


Sobretudo, há o aconchegar da infância

Entre as mãos carregadas de ternura,

E há a calmaria e a ventura,

A sede e o amor em abundância.




Poema: apm

domingo, 26 de abril de 2009

FORMAS DE ABRIL



35 Anos do 25 de Abril:Repito o que escrevi para um livro que um Homem Bom (Dr.

Costa Leal, então presidente do Montepio Geral e que, entretanto, já nos deixou)

tornou possível com o patrocínio do MFA: FORMAS DA LIBERDADE: "Dos Capitães de Abril

e do Movimento das Forças Armadas que, em 1974, derrubaram o regime que durante

quase meio século oprimiu o povo português que memória se guarda, para além da

seda das palavras - cravo, generosidade,

desprendimento?". Dez anos depois, novo livro, agora promovido pela AMRS faz à sua

maneira, a evocação emocionada de uma data que foi pretexto para algumas excelentes

criações de Arte Pública, promovidas pelas autarquias locais.


FOTO, de Pedro Soares, para CAPA de Ivone Ralha. Texto de Arlindo Mota

quinta-feira, 23 de abril de 2009

ROMANCE "FLOR DE SAL"

Anos trinta. Salazar acabara de chegar ao Poder. Um amor proibido cresce por entre

as areias do pecado e da intriga política.


Arlindo Mota



DE COMO NEM SEMPRE EM TERRA DE CEGOS QUEM TEM UM OLHO É REI...

Nos já longínquos anos trinta do século passado, aconteceram coisas extraordinárias na Vila, na altura pequena povoação ribeirinha do Tejo, afeiçoada aos toiros e farta em marinhas de sal, de casario baixo, disposto paralelamente ao rio, agradável à vista e propiciador de encontros ocasionais entre vizinhos.

Fora aí que o meu bisavô, o licenciado em Direito Artur Homem de Gouveia e Mello, acabara por se fixar, após deambular por seca e meca, exercendo funções de Chefe de Secretaria da respectiva Câmara Municipal, lugar com alguma importância social, mas de baixa remuneração e, como haveremos de topar lá mais para diante, não isenta de perigos, não pelos requisitos especiais da profissão, para a qual estava por demais preparado, mas por motivos que decorriam de outro foro, de contornos políticos associados à implantação do Estado Novo então emergente.

No Clube da Vila era hábito reunirem-se as pessoas gradas da terra, tão só homens, que a isso obrigavam os estatutos da associação e os costumes conservadores daquela época em que às mulheres estava reservado o governo doméstico e o cuidar dos filhos. Gouveia e Mello usava jogar as damas e xadrez com alguns poucos companheiros que partilhavam o mesmo gosto, um pouco raro – reconheça-se - naquele meio onde o prato forte das conversas versavam os toiros, os forcados e as lides, e as histórias incidiam, amiúde, sobre a bravura duma pega de caras mais destemida, que quase sempre deixara marcas físicas, troféus que os rapazes se orgulhavam em ostentar e que captava a atenção das raparigas.

Naquele lugar, onde o tempo era uma sucessão de dias sem grandes motivos de interesse, os hábitos sociais eram um bálsamo para a acídia e um refúgio para o tédio. Duas a três vezes por semana, Gouveia e Mello cumpria o ritual, só quebrado pelas festas concelhias ou pela época balnear – onde se acolhia com a família a Sesimbra, terra piscatória e hospitaleira, apenas com o senão da deslocação se fazer por caminhos íngremes, estreitos e irregulares. Por vezes, a política local atravessa-se na conversa, mas, por uso, não era tema que lhe merecesse mais do que palavras de circunstância, o que ia bem com o carácter circunspecto por que era tido em conta pela generalidade dos convivas.

(Fora aí que Gouveia e Melo acompanhara pelas emissões do Rádio Clube Português – que alinhava abertamente pelos franquistas – as peripécias da Guerra Civil de Espanha. Fora aí também que provavelmente fora urdida a intriga, trôpega mas insidiosa, que serviria de base ao levantamento de um processo disciplinar que o poderia levar à expulsão da Função Pública, coisa que de inicio o chefe de secretaria não levara a peito. Mas não nos adiantemos ao normal curso das coisas...)

Escrupuloso funcionário, não descurava os seus deveres políticos, que as circunstâncias e o tempo exigiam a inscrição na União Nacional e a comparência aos actos oficiais para que era convocado. Mas o acaso quis confrontá-lo entre dois valores: o de obedecer à lei, o que estava de acordo com a sua consciência e com a aura que granjeara de funcionário que sempre prouvera a defesa acérrima dos interesses da Câmara, ou fazer a vontade a meia dúzia de membros da União Nacional, decerto industriados por alguém poderoso que se escondia na sombra, e que, à margem da lei, insistiam na inclusão nos cadernos de “chamadas” eleitorais destinados à eleição da I Assembleia Nacional, de indivíduos que, face à lei vigente, não tinham direito a voto. Perante a insistência, e querendo alijar responsabilidades, bem como a consciência, consultou particularmente o Governador Civil sobre o que deveria fazer. A resposta, também por escrito e com carácter oficial, confirmou o acerto da interpretação de Gouveia e Mello, o que deixou enfurecidos os representantes locais da União Nacional.

Não obstante aquela informação, pessoa da confiança do governador, viera junto dele, três escassos dias antes do envio dos cadernos, para que nele se incluíssem os nomes dos tais indivíduos. Assim se fez, o que deixou o chefe de secretaria taciturno, e fora motivo – confessá-lo-ia mais tarde ao seu amigo, o desembargador Bernardo Coutinho – para pedir transferência para o Ministério das Obras Públicas, em Lisboa. (A inclusão de pessoas à margem da lei nos cadernos eleitorais era então prática corrente: apesar dos partidos políticos estarem proibidos e a oposição não se poder exprimir livremente nas urnas, o regime de então apreciava resultados gordos o que naquelas condições era um apelo à “chapelada” - que os mortos eram chamados a votar, asseverava o meu bisavô, e a História confirma.)

Mas esta atitude de colaboração não lhe trouxe o apaziguamento dos acólitos locais da União Nacional que, a partir daí, lhe foram fazendo guerra surda no sentido de o afastar do cargo que ocupava. Os pomos da discórdia sucediam-se: as reuniões da União Nacional realizavam-se nas instalações dos Paços do Concelho e Gouveia e Mello, apurando que após a sua realização se verificava, reiteradamente, o desaparecimento de artigos de expediente da secretaria, ordenou, com a aprovação do Presidente da Câmara, que apenas as chaves que dessem acesso ao gabinete do Administrador do Concelho, fossem entregues aos membros da Comissão Concelhia da União Nacional. Tanto bastou para que o ódio fosse medrando entre os correligionários afectados que, aproveitando a saída do presidente da Câmara, o qual nutria particular apreço pelo carácter e trabalho desenvolvido pelo Chefe da Secretaria na recuperação das finanças da autarquia e na organização dos serviços que se encontravam, quando assumira funções, em estado caótico, reuniram um conjunto de acusações, que tomadas a sério, significaria não apenas a demissão compulsiva da função pública, como a sujeição a tribunal militar, por traição à pátria, pois como consta dos autos de acusação, o pobre do meu bisavô não só teria levantado obstáculos ao sucesso das eleições, conforme se relatou, como, de acordo com o testemunho de um indivíduo, com fama de ébrio, conhecido por “Mesuras”, quando da sublevação dos marinheiros do aviso Afonso de Albuquerque e do contratorpedeiro Dão, no estuário do Tejo, em Setembro de 1936, cujos estampidos de artilharia se haviam ouvido distintamente, alarmando a vila, teria tido conhecimento dos acontecimentos com antecedência e exteriorizado a sua satisfação perante as vizinhas exclamando em ar de desafio: “Agora é que se vai ver quem ganha...”.


Excertos primeiro capítulo

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"LICEUS UNIDOS"

Lugares de encontro os liceus é assim que eu ainda me lembro deles por entre a intolerância a falta de ar a indiferença. Liceus Unidos acabou naturalmente por ser a senha o logotipo a marca o distintivo que no espírito e lapela identificava uma forma de ser uma postura um desafio, que os homens da gabardina estavam por todo o lado e a eternidade, ente abstracto e inexistente, assomava-se como definitiva.
Recordo a Pró-Asociação dos liceus e tantas amigas e amigos:Teresa Taborda, José Vasconcelos; Vitor Oliveira Jorge; Tito Cardoso e Cunha; José Arnaud; Teresa Bento; Arlindo Pato; Teresa Oliveira; Mário Barroso; Joaquim Vital, entre muitos outros.

Adeus (Palavras Gastas)

UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante

não na distância brilhando no extremo da estrada

aqui no meio de nós e a multidão em volta

une toute petite lumiére

just a little light

una piccola…em todas as línguas do mundo

uma pequena luz bruxuleante

brilhando incerta mas brilhando

aqui no meio de nós

entre o bafo quente da multidão

a ventania dos cerros e a brisa dos mares

e o sopro azedo dos que a não vêem

só a advinham e raivosamente assopram.

Uma pequena luz

que vacila exacta

que bruxuleia firme

que não ilumina apenas brilha.

Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.

Muda como a exactidão como a firmeza

como a justiça

Brilhando indefectível.

Silenciosa não crepita

não consome não custa dinheiro.

Não aquece também os que de frio se juntam.

Não ilumina também os rostos que se curvam.

Apenas brilha bruxuleia ondeia

Indefectível próxima dourada.

Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.

Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.

Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.

Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.

Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:

brilha.

Uma pequenina luz bruxuleante e muda

Como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Apenas como elas.

Mas brilha.

Não na distância. Aqui

No meio de nós.

Brilha.



JORGE DE SENA
(in FIDELIDADE, 1958)

"CHORA Ó TERRA BEM AMADA"




"Chora ó Terra Bem Amada" (o livro que foi um grito de revolta, comovente, mobilizador), o apartaide, Mandela, fazem, entre outras coisas, parte das nossas vivências. As eleições que ora ocorrem em liberdade e multirracial, entre um mar de dificuldades, são, apesar de tudo isso, um bom sinal.

apm

segunda-feira, 20 de abril de 2009

ROMANCE

Não era noite nem dia

Não era noite nem dia.

Eram campos campos campos

abertos num sonho quieto.

Eram cabeços redondos

de estevas adormecidas.

E barrancos entre encostas

cheias de azul e silêncio.

Silêncio que se derrama

pela terra escalavrada

e chega no horizonte

suando nuvens de sangue.

Era hora do poente.

Quase noite e quase dia.


E nos campos campos campos

abertos num sonho quieto

sequer os passos de Nena

na branca estrada se ouviam.

Passavam árvores serenas,

nem as ramagens mexiam,

e Nena, pra lá do morro,

na curva desaparecia.


Já de noite que avançava

os longes escureciam.

Já estranhos rumores folhas

entre as esteveiras andavam,

quando, saindo um atalho,

Veio

debruçou-se da encosta

com os cabelos caídos!

Não eram ladrão de estradas

Nem caminheiro pedinte,

nem nenhum maltês errante.

Era António Valmorim

que estava na sua frente.

Não era ladrão de estradas,

- Ó nena de Montes Velhos,

se te quisessem matar

quem te haverá de acudir?

Sob este corpo justinho

Uniram-se os seios de Nena.

- Vai-te António Valmorim

Não tenho medo da morte,

Só tenho medo de ti.


Mas já noite fechava

a saída dos caminhos.

Já do corpete bordado

os seios de Nena saíam

- como duas flores abertas

por escuras mãos amparadas!

Ai que perfume se eleva

do campo de rosmaninho!

Ai como a boca de Nena

se entreabre fria fria!

Caiu-lhe da mão o saco

junto ao atalho das silvas

e sobre a a sua cabeça

o céu de estrelas se abriu

Ao longe subiu a lua

Como um sol inda menino

passeando na charneca...

Caminhos iluminados

eram fios correndo cerros.


Era um grito agudo e alto

que uma estrela cintilou.

Eram cabeços redondos

de estevas surpreendidas.

Eram campos campos campos

abertos de espanto e sonho...



MANUEL DA FONSECA

PEREGRINAÇÃO A LUGARES DA MEMÓRIA


Escultura: Celestino Moreira


A evocação dos verdes anos é uma peregrinação a lugares da memória a que me tinha

sempre mostrado avesso, e cuja evocação traz ainda à flor da pele a escuridão da

ditadura e os mecanismos que nos condicionava a existência, a par de circunstâncias

e pessoas que arvoram a solidariedade como força motriz da sua existência. Colocado

nos pratos da balança, o agreste cedeu aos momentos de maresia, curtos, breves, mas

intensos.



Arlindo Pato Mota

sábado, 18 de abril de 2009

PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testastarudo, mas embolado e, afinal, amigo, se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal, o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!



Alexandre O´Neil, 1965
ANTOLOGIA "VERDES ANOS"

sexta-feira, 17 de abril de 2009

CÉLERE COMO UM GRITO OU O RUBOR

Os olhos,Cibele, espelham, transparentes,

a tonalidade das emoções, o prodígio

inesperado do arco-íris, a sensualidade

do requebro das marés.


Cercado nos limites dos sentidos, o teu

olhar, luminoso, é avidamente procurado:

célere, como um grito ou o rubor,

neles me fixo, qual tenaz ou

dedo de criança.




Poema: apm