sábado, 22 de dezembro de 2012

NATAL



NATAL

É fogo e água em abundância,

E terra e ar que envolve a dor.

Natal é acaso e circunstância?

Natal é tudo isto...enquanto for.


arlindo mota

domingo, 9 de dezembro de 2012

OS FRUTOS PROMETIDOS

Foto: apm


Seguros são os frutos prometidos,

Que colherás de tanto semeares,

Entre as searas abertas pelos dedos,

Que o vento ondulará quando quiseres.



arlindo mota



sábado, 1 de dezembro de 2012

QUANDO EU ME FOR EMBORA



QUANDO EU ME FOR EMBORA


Quando eu me for embora, levarei comigo


a madrugada e de meu pai, suas mãos rudes,


com que moldava, a golpes incisivos, um tronco

frágil


insubmisso, sempre em sentido vertical.


De minha mãe, não esqueço, a ternura que mandava, disfarçada,


por entre o pão suado e a manteiga. Assim cresci.




Quando eu me for embora, também não esquecerei, os luares


que percorri, envolto em ti, sem precisar de


leito. Assim cresci.




Mais tarde, pouco mais, hei-de lembrar-me daquilo que não fiz.


Mas quando eu me for embora, é porque morri, cá dentro,


por não saber cuidar de ti, amor-perfeito.



Arlindo Mota

Foto: apm

sábado, 10 de novembro de 2012

ÁGUA-FORTE



 
 
 
ÁGUA-FORTE


Pintei o seu rosto

com a tinta que restava,

diluída,

quase se não via

a minha obra.

mas ainda brilham

os olhos que gravara,

a água-forte, na memória,

e o espelho me devolve,

a toda a hora,

a sua ausência.

arlindo pato mota

POETA DO MÊS: JOÃO RUI DE SOUSA


JAMAIS A ORDEM COMO QUEM ORDENA


jamais a ordem como quem ordena
o que intimamente jamais quer

disciplina aqui é pôr a regra
bem perto do fio que mais recorde
vontade própria  querer  mais vigilância
no caminhar sem fim onde se ergue
ilimitada esperança sem fim onde se ergue
ilimitada esperança  ou vida ou obra

existe a lei aqui mas não de pedra:
um livre rumo ao homem que se quer
em certa direcção quando navega


João Rui de Sousa

in meditação em samos

BOUTIQUE DOS RELÓGIOS PÚBLICOS: ROMA


 
Foto: apm

domingo, 28 de outubro de 2012

PAI, PARA QUE QUERIAS QUE EU FOSSE MAIS FELIZ?



tag: quase pueril...

PAI, PARA QUE QUE QUERIAS QUE EU FOSSE MAIS FELIZ?

Quando no duro empedrado de basalto inventávamos campos da bola onde disputávamos campeonatos intensos e eu aparecia todo esfolado mas não doía, tu ralhavas mas eu era feliz,

Quando a menina Júlia, que regressava de táxi todas as manhãs, ao sair do carro deixava entrever um pouco mais da branca pele por sob o rodado da saia, eu também não te dizia que estava lá à sua espera,

Da nossa vizinha, do andar de baixo, essa sabias, que me oferecia livros de que fiquei amigo para toda a vida: O "Sandokan" do Salgari, mas também o Júlio Dinis e Os meus Amores do Trindade Coelho, e tantos outros, de que jamais me desfiz,

Também te não falei da minha primeira namorada, que acompanhava à saída da escola todas as tardes, subindo as centenas de degraus, quase até sua casa, de mão dada, e de uma flor que, por timidez, nunca lhe dei,

Quando decidiste – eu crescera – mudar para um bairro novo de prédios grandes (mesmo que para isso labutasses noite e dia), onde se não podia jogar na rua e eu não conhecia ninguém, também não te disse como tanto gostava do bairro que acabara de deixar…

Pai, para que querias que eu fosse ainda mais feliz?



arlindo mota

foto: apm

BOUTIQUE DOS RELÓGIOS PÚBLICOS: ROMA


 
Fotos: apm

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DANÇA DAS CORES





DANÇA DAS CORES

Está de moda, dizes, o fogo de artifício,

cores e efeitos, sob um céu estrelar.


No sentido inverso à direcção do vento,

entre as amuradas dos navios ancorados,

sopra uma inesperada brisa terna e cálida,

que afaga delicadamente os nossos corpos.


Nesta dança de cores e sentimentos,

é a festa da luz, rodízio de ternura,

do azul ao cinzento, forma pura.
 
 
arlindo mota
 
foto: apm

domingo, 23 de setembro de 2012

PRECOCEMENTE, O OUTONO


PRECOCEMENTE, O OUTONO


Dantes tinha muitos amigos, bebíamos e cantávamos enquanto o rio desaguava a desoras no cais da ribeira, junto às margens do teu corpo. Não tínhamos sede, nem pressa de chegar. A vida em delta, foi-nos separando, mas tudo parecia continuar a fazer sentido.

 

Agora, os amigos desse tempo abrigam-se quase todos na memória, o céu mudou de cor e já não há mar que nos sossegue.

 

Quero de volta o azul e não consigo. Telefono, escrevo, envio mails, mas sinto-me estranho na vídeo-conferência.

 

Levantamos os copos – que estão vazios ou meio-cheios – numa comunhão que antes entendia ser perfeita e sinto que já não há sagração possível. O tempo, diz a meteorologia e a cor dos teus cabelos, mudou...

arlindo mota

foto: apm

sábado, 15 de setembro de 2012

POETA DO MÊS: ALEXANDRE O`NEIL


PORTUGAL

 

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,

linda vista para o mar,

Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,

surdo e miudinho,

moinho a braços com um vento

testastarudo, mas embolado e, afinal, amigo, se fosses só o sal, o sol, o sul,

o ladino pardal, o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,

a desancada varina,

o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,

a muda queixa amendoada

duns olhos pestanítidos,

se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,

o ferrugento cão asmático das praias,

o grilo engaiolado, a grila no lábio,

o calendário na parede, o emblema na lapela,

ó Portugal, se fosses só três sílabas

de plástico, que era mais barato!

 
( Feira Cabisbaixa, 1965)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

SUMÁRIO BREVE


SUMÁRIO BREVE

Comemorámos nosso dia de anos

Eu, numa margem, tu na outra,

Entre paisagens ainda apetecidas

- Nisso não houve discrepância
 
…………………………………………
…………………………………………

Sumariámos, céleres, o assunto

O vento, de nortada, selou a despedida
 
arlindo mota
 
 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A PRIMEIRA PEDRA


                                          Foto de apm de uma escultura de Rodin
 

 


A PRIMEIRA PEDRA

 

A amálgama daqueles  dois corpos

 restituíra a cor ao espelho de água

- impregnado  de sombras e limos -

como se fora a primeira pedra

 

Escultores de linho, os dedos

cinzelavam a silhueta dos corpos

fixando as pregas, insinuando as

 formas, destacando as faces,

 enquanto  as águas indolentes do lago

- onde se soerguia uma sereia -

 se espraiavam por entre o casario




arlindo mota

sábado, 18 de agosto de 2012

AS TARTARUGAS TAMBÉM VOAM*



AS TARTARUGAS TAMBÉM VOAM*


Órfão milenar, a profissão a herdara dos pais,

Nela se mantinha, sem orgulho, nem credo,

Apregoando, baixinho, a exígua mercadoria.

E, assim, lá ia vendendo o seu ódio,

Quase a medo…



Arlindo Mota

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*Título de um filme escrito e realizado por Bahman Ghobad sobre os conflitos e os sentimentos gerados nas crianças “filhas da guerra” no Médio Oriente e não só.

terça-feira, 31 de julho de 2012

NESSES LUGARES EU TEÇO

 Os sentimentos, Cibele, são paisagens,

húmus, campos de semeadura, se contêm

a natureza honesta do granito.

 

Nesses lugares eu teço, sem rebuço de

olhares. As mãos ganham, então, um

sentido mágico: entrelaçam-se, procuram

o âmago do tempo nas profundezas

da terra, cruzam-se e descruzam-se

desordenadamente.

  

Nesses lugares, os olhos apelam

ao sonho, à viagem, à maresia

dos sentidos, assim o luar liberte

o iodo, agreste perfume das marés.



arlindo mota

BOUTIQUE DOS RELÓGIOS PÚBLICOS



Catedral de Oviedo
Foto: apm

segunda-feira, 23 de julho de 2012

MISTRAL



MISTRAL

quando aparecia o mistral

as aves acolhiam-se aos beirais

da minha fantasia, faziam ninhos

e, desveladas, cuidavam das crias

que nasciam, sonhadas e bravias


amainava o vento e o alado corpo

regressava sibilino, atento e delicado,

próprio da brisa ou da leveza do linho,

ao pôr de sol em que se anuncia

nos seus olhos húmidos

a luz do dia.




arlindo mota

foto: apm

BOTERO EM OVIEDO



Foto de: apm

segunda-feira, 9 de julho de 2012

SAUDADES




SAUDADES
(Homenagem com endereço)



Eram poucas as palavras
que usava para falar,
umas vezes, por preguiça,
outras vezes, por ousar.

Mas no dia em que partiu,
o Sol parou por instantes
- milagres como só dantes -
que, de espanto, pouco vi.

Foi, numa vaga de espuma,
para o outro lado da vida,
da vida que ele trocou
por coisa alguma.



arlindo mota

foto e poema

terça-feira, 19 de junho de 2012

1º ENCONTRO LUSO-POEMAS - Versão Brasileira





Está a decorrer o 1º Encontro Luso-Poemas, versão brasileira, no Rio de Janeiro desde 15 de Junho. A todos os companheiros e companheiras, na impossibilidade de estar presente, dedico este meu poeminha a todos eles que tiveram a ousadia de o promover "com açucar, com afeto", centrando por simplicidade nessa figura congregadora e amiga de José Silveira.





Quem controla o desejo, a emoção

ou a ternura?

A paleta, responde o pintor.

A palavra, atalha o poeta.

Juntos, distribuem a luz

Que inunda de cor o planeta.


arlindo mota
  

BOUTIQUE DOS RELÓGIOS PÚBLICOS



Relógio da Igreja de Santiago no Castelo de Palmela construído no século XVIII

Foto: apm

sábado, 31 de março de 2012

PURO SILÊNCIO








O silêncio era a dois, quase perfeito,


o que se ouvia era quase nada,


um fio de água, de nascente,


e o sobressalto de um bater de asas.

arlindo mota

POETA DO MÊS: EUGÉNIO DE ANDRADE













AS PALAVRAS


São como um cristal,


as palavras.


Algumas, um punhal,


um incêndio.


Outras,


orvalho apenas.



Secretas vêm, cheias de memória.


inseguras navegam,


barcos ou beijos,


as águas estremecem.



Desamparadas, inocentes,


leves.


Tecidas são de luz


e são a noite.


E mesmo pálidas


verdes paraísos lembram ainda.



Quem as escuta? Quem


as recolhe, assim,


cruéis, desfeitas,


nas suas conchas puras.



Eugénio de Andrade

quarta-feira, 7 de março de 2012

FORMAS SENTIDAS





Acaricio os teus dedos longos suspensos

sobre mármore Carrara. A emoção do simples

contacto, o fascínio das cores refractados no

cristal líquido dos teus olhos húmidos,

perduram ainda, cobrindo de matizes

a face oculta das pétalas da vida.


Os palácios, Cibele, são uma invenção

dos bárbaros, pois neles as pessoas

estão irremediavelmente longe umas das

outras, os candelabros apenas tingindo

de opacidade e ilusão.


De futuro, sempre aparecerás vestida

de orquídea, os olhos marejados

de verde, o corpo entreaberto, a

tensão serena das mãos e do rosto.





arlindo mota

sábado, 18 de fevereiro de 2012

CASA DE PARTIDA









Ancorei, meio submerso, à outra margem,

Entre ânforas, limos, e sapais,

Terno afago de formas conhecidas.

Na caravela que bailava entre as marés,

Voltei, enfim, à casa de partida.



arlindo mota