quinta-feira, 14 de julho de 2011

DAQUELE PRIMEIRO DIA…























Disseste que os teus olhos já não conseguiam debruar a luz como faziam antigamente; que agora tacteiam a memória e as mãos ainda não perderam o seu sentido táctil, mas enganam-se frequentemente na paisagem.

Não esqueceste a volúpia, a fragrância do desejo, entre fráguas e a verdura das encostas, por entre a limpidez do murmúrio das águas. Por isso manténs as portas entreabertas e subsiste no teu colo uma infância por crescer. Abrigar-me-ás decerto em noites de lua cheia. Habituado ao ritmo dos sapais esperarei a próxima maré para te acolher, tufos de verde acariciarão os teus cabelos em reflexos desfocados pelo movimento lânguido das águas do estuário.

Noutro tempo, a tua voz tinha sempre um timbre inconfundível, prenhe de iodo e limos. Eu aguardava apenas a ténue luz dos vaga-lumes para assistir ansioso à tua chegada, roupas coladas ao corpo naquele teu jeito insinuante de faz-de-conta. Fora, assim, a nossa iniciação…ainda hoje, sinto o movimento das tranças presas no exacto momento em que um inesperado eclipse do luar deixara a tua pele, deliciosamente branca, nas minhas mãos acabadas de acordar. Surripiei-te então, Cibele, tudo o que tinhas e comigo guardei – precioso bem! – uma vermelha flor liquefeita daquele primeiro dia em que fiz amor contigo…


Arlindo Mota

Foto: apm

4 comentários:

Filipe Campos Melo disse...

quem escreve nem sempre percebe
A palavra
quem escreve nem sempre percebe
A intemporalidade
quem escreve nem sempre percebe
o dom que tem

Muito Belo e tocante, teu poema

Abraço

arfemo disse...

grato pelo comentário inteligente e amável

bem-vinda à Seda das Palavras

abraço

Joana disse...

...subscrevo inteiramente o primeiro comentário: é um dos mais belos e delicados textos que já li!

bjs

OUTONO disse...

Dizer belo é pouco, perante um continuar de enleio palavra...cheio de ritmo pessoal.
Dizer gostei, é pouco, perante o que li e volto a ler!