quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

POETA DO MÊS: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

















ÍTACA

Quando as luzes da noite se reflectirem imóveis
(nas águas verdes de Brindisi

Deixarás o cais confuso onde se agitam palavras
(passos remos e guindastes

A alegria estará em ti acesa como um fruto

Irás à proa entre os negrumes da noite

Sem nenhum vento sem nenhuma brisa
(só um sussurrar de búzio no silêncio

Mas pelo súbito balanço pressentirás os cabos

Quando o barco rolar na escuridão fechada

Estarás perdida no interior da noite no respirar do mar

Porque esta é a vigília de um segundo nascimento


O sol rente ao mar te acordará no intenso azul

Subirás devagar como os ressuscitados

Terás recuperado o teu selo a tua sabedoria inicial

Emergirás confirmada e reunida

Espantada e jovem como as estátuas arcaicas

Como os gestos enrolados ainda nas dobras do teu manto


Sophia de Mello Breyner Andresen

(Estive meia dúzia de vezes sentado à conversa com Sophia de Mello Breyner Andresen - obrigado Maria pela amizade que me permitiu conviver informalmente com sua mãe à mesa do café! – e dela colhi, para além da excepcional obra que já lera, a sua imensa paixão pela cultura greco-romana e uma sensibilidade rara que transparecia em cada palavra que dizia. Agora que Maria Anderson organiza um colóquio sobre a sua obra a propósito da doação do seu espólio à Biblioteca Nacional, dou o meu modesto contributo escolhendo-a como a poeta do mês do blogue)

2 comentários:

Filipe Campos Melo disse...

Efectivamente ímpar a poesia de Sophia.

Abraço

arfemo disse...

Viva, bem viva...poesia no feminino, firme, delicada. abraço